CAPITULO II
Suas palavras e suas mãozinhas enxugando minhas lágrimas foram as alavancas para que eu não esmorecesse durante os anos que se seguiram. Nessa oportunidade, meu filho, você só tinha cinco anos e meio.
Noutra ocasião, ao ver-me olhando tristemente para as botinhas ortopédicas (sua e de sua irmã) que estavam muito gastas, você chegou pertinho de mim e perguntou:
- Mãe por que você está triste?
Eu lhe expliquei que o meu dinheiro não dava para comprar os dois pares de botas, e que estava difícil decidir se comprava as botas para você ou para a Rita. Você me olhou, com seus olhinhos verdes, me abraçou bem forte e me disse:
- Mãe compra as botas da Rita, ela precisa mais que eu porque tem os pés tortos.
Você tinha 6 aninhos, mas as sua decisão foi de um adulto.
Lembro-me que todas as noites, quando começava a fazer a fisioterapia na Rita, você vinha correndo me ajudar... Você era o meu pequeno auxiliar.
Ela ficava deitadinha no colchonete e, enquanto eu massageava os pés dela, você segurava a cabecinha da Rita e a virava para a direita e para a esquerda, com o cuidado e a delicadeza de um profissional.
O tempo foi passando e você sempre me ajudando.
Quando eu não conseguia que Rita executasse algum exercício, você se punha de frente para ela e explicava:
- Olha Ritinha, é assim que se faz!
E esticando os braços em sua direção dizia:
- Vem, Vem brincar com o Dodô (era assim que ela o chamava)!
Para ensiná-la a agachar, você agachava e, segurando as mãos dela, falava:
- Ritinha, faz assim, brinca comigo, abaixa agora.
Num daqueles dias em que a depressão bateu forte, muito desanimada por Rita não conseguir segurar a bola que eu lhe jogava, falei:
- Tá vendo Edu, não adianta. E você pensativo:
- Espera mãe.
Aí se colocou atrás da Rita, segurou suas mãos e a ajudou a pegar a bola.
Eu jogava a bola e você a ajudava a pegá-la. Fizemos esse exercício várias vezes. Depois de algum tempo, ela começou a pegar a bola sozinha, graças a você. E tudo isso você fazia sempre sorrindo.
Certa vez, era noite, a cena que vi foi muito linda e emocionante e ao recordá-la ainda hoje, depois de tanto tempo decorrido, meus olhos se enchem de lágrimas: Você sentado com a Rita na frente do espelho ensinando-a falar as palavras corretamente.
Você sempre ficava observando atentamente todas as atividades que eu fazia com sua irmã (como ensiná-la a falar, na frente do espelho), mas, eu nunca havia imaginado que você observava para aprender, achava que você apenas olhava por curiosidade... Como eu estava enganada.
Quantas e quantas vezes seu abraço carinhoso e suas palavras de ânimo devolveram-me a paz, quando eu, chorando, falava em voz alta:
- É muito difícil fazer a Rita compreender o que eu estou tentando ensinar a ela, sou muito burra, nunca vou conseguir, nunca!
Você, meu filho adorado, vinha ao meu encontro me consolando:
- A Rita vai aprender sim, mãe! Você é inteligente, você vai conseguir, a minha irmã demora para aprender, mas aprende. Tenha paciência, eu estou aqui para ajudar você.
E com a barra da camiseta enxugava as minhas lágrimas.
Quantos anos você tinha? Só 6 anos e meio!
Enquanto eu ia trabalhar, você ficava no período da tarde em casa, sozinho. Para que não mexesse no fogão e em coisas perigosas eu trancava a porta da cozinha.
Um dia, ao voltar do trabalho, você veio correndo ao meu encontro e disse:
- Mãe, sei que você está cansada e por isso hoje você não precisa fazer comida, eu já fiz arroz e salada. Não usei a faca para não me cortar.
Em cima do fogão estavam uma panela com arroz (feito do seu jeitinho) e um prato com pedaços de tomates despedaçados. Não pude conter as lágrimas, peguei-o no colo e o beijei muito.
Depois, perguntei como você conseguirá entrar na cozinha e obtive como resposta:
- Você trancou a porta, mas esqueceu a chave na fechadura.
Dei-lhe uma bronquinha carinhosa por você ter mexido com fogo e o fiz prometer que nunca mais faria isso.
Hoje, meu filho, quero lhe dizer que o melhor jantar de toda a minha vida foi aquele, preparado por você aos 7 anos.
Assim que entrei em casa, após um dia árduo de trabalho, você me falou:
- Mãe, você não precisa mais passar essas roupas, coloquei o ferro no morno, para não me queimar, e já passei esse monte de roupa que está aqui.
Ao ver você em pé no sofá todo compenetrado, passando a roupas, e ao ouvir suas palavras, tudo isso me emocionou tanto, tanto, tanto, que não consigo expressar aqui tudo o que senti.
E você tinha apenas 7 anos e meio.
Noutra situação, no mercado, você me pediu:
- "Mãe, compra Danone?"
Com dor no coração lhe expliquei que se comprasse o Danone, o dinheiro não daria para comprar o arroz. Você sorriu e disse:
- Não se preocupe mãe, já passou a vontade.
Hoje, ao me lembrar disso, sinto o coração doer tanto como doeu naquele dia.
Você ainda tinha apenas 7 anos e meio.
Lembro-me, também, do episódio em que você me oferecendo algumas moedas, falou-me:
- Toma, mãe, esse dinheiro é para você comprar comida.
Muito zangada eu o repreendi:
- Não quero! Você foi pedir dinheiro para seus tios? Eu já lhe falei mil vezes que não é para pedir dinheiro para ninguém.
Você sorriu e respondeu:
- Mãe, esse dinheiro eu ganhei. Lembra das revistinhas que a tia Paula me deu? “Eu vendi todas elas na escola".
Filhão, agora, quando penso nisso, as lágrimas teimam em cair, quase não consigo enxergar para continuar o texto que escrevo.
Quer saber que idade você tinha? Só sete anos e meio.
Eu lhe havia pedido para ir ao mercado comprar meio quilo de carne moída, e você voltou com os 3 pacotinhos.
- Mãe, falei pro moço:
Só tenho isso de dinheiro, me dá um pouco de salsicha, um pouco de lingüiça e um pouco de carne moída.
Assim, em vez da gente comer só carne, come coisas diferentes !
Senti muito orgulho de você pois vc só tinha 8 anos.
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