Por Muriel Elisa T. Niess Pokk
Com apenas um dia de vida, Rita pareceu ter compreendido e sorriu para mim. Uma grande força invadiu-me naquele momento. Quando a levaram de volta ao berçário, percebi que não poderia ficar ali no hospital os cinco dias recomendados. O tempo era precioso, e quanto antes saísse dali seria melhor. Pedi ao médico que me desse alta. Ele não deu porque, na parte da manhã, havia-se completado apenas 24 horas da minha operação.
Ao meio-dia, a enfermeira trouxe outra vez minha Rita para ficar um pouco comigo. Quando ela saiu, decidi que iria fugir com Rita. Não iria deixar minha filha morrer, como eles diziam. O tempo parecia colaborar, fazia muito frio, então coloquei-a debaixo do meu casacão e desci dois andares pelas escadas, com medo de que os médicos me pegassem no elevador. Chegando ao andar térreo, disfarcei um pouco e, tremendo de medo, saí pela porta central, encontrando, por Providência Divina, um táxi estacionado bem na frente do hospital.
Ao chegar em casa, marquei o exame de sangue dela, num laboratório famoso, pois precisava ter certeza de que aquele veredicto era real. Quem sabe o médico não tinha se enganado? Fui sozinha com minha filha para fazer o exame. Quando ele ficou pronto, foi tomado por uma grande sensação de medo. Meu coração parecia espremido no peito.
Queria que alguém fosse comigo buscar o exame, mas todos estavam ocupados demais. Inclusive o meu marido. Ele disse: "Não dá para ir com você agora, mas deixa, qualquer dia eu pego o exame." Na curiosidade angustiante em que eu estava, não dava para deixar para outro dia. Deixei meus filhos na casa da minha irmã e fui sozinha ao laboratório, com a esperança de que o resultado do exame fosse negativo.
Mas, infelizmente, ao abrir o exame, lá estava escrito: Portadora da Síndrome de Down. Eu queria sair correndo, mas as pernas não queriam obedecer. Queria abraçar alguém, mas não havia ninguém para eu abraçar ou para me abraçar. Mais uma vez estava sozinha quando mais precisava de alguém.
Só me restava chorar e chorei muito, ali mesmo, sem me importar com mais nada. Quando saí do laboratório e entrei no meu carro, as lágrimas agora corriam silenciosas. Uma raiva imensa da vida começou a crescer dentro de mim e eu gritei alto (sem me importar se alguém dos outros carros estavam ouvindo): "Você, vida, não vai me vencer, eu vou vencer você, eu vou vencer você, eu vou te vencer." Depois fui repetindo isso, já sem gritar, até chegar em casa. Sabia que a luta dali para a frente seria grande. Mas não sabia com certeza a extensão dessa batalha.
CONTINUA... capítulo III
O texto De Mãos dadas com Deus
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