Capítulo III
Será que todos os deficientes passavam pelo mesmo constrangimento, que minha filhava passava, todas as vezes que entrava numa sala de bate-papo e contava sobre sua deficiência?
Para ter a resposta a essa pergunta, resolvi entrar nas salas de chat, como deficiente.
Escolhi primeiramente a sala “de 20 a 30 anos”. Mentindo minha idade e estado civil, comecei a conversar com um rapaz, rimos, conversamos muito. Ele dizia que eu era a moça que sempre procurara e que eu tinha uma excelente cabeça, que estava me adorando, finalmente ele pediu meu e-mail, segundo ele, não queria me perder de vista.
Foi nesse momento, que eu lhe disse que tinha tido paralisia infantil, e que por isso era obrigada a usar cadeira de rodas.
O rapaz conversou mais um pouco comigo, fez-me mais alguns elogios, e saiu da sala, nem sequer dizer adeus.
Não me contentei com essa experiência, eu precisava ter outras mais...
Comecei a entrar em horários variados em salas de chats variadas. Cliquei no link Por Idade, entrei nas salas “de 15 a 20 anos", "de 20 a 30 anos"; "de 30 a 40 anos"; "de 40 a 50 anos" e "Mais 50 anos". Entrei também em outras salas como "descasados", "gays" e "lésbicas".
Eu precisava verificar se a descriminação sofrida pelo portador de deficiência era igual em todas as salas de bate-papo.
Infelizmente, era!
Quando eu encontrava uma pessoa que conversava comigo, logo nosso papo transcorria animado, ríamos muito, falávamos sobre poesia e sobre nossos sonhos. Finalmente meu parceiro/parceira pedia meu e-mail ou o meu telefone, antes de dar-lhe os mesmos eu contava que portava alguma deficiência.
O diálogo era mais ou menos assim:
- Olha também gostei muito de você, mas antes de lhe dar meu e-mail, preciso contar uma coisa.
- Conta!
- Estou com um pouco de vergonha.
- Imagina, conta logo.
- Quando criança eu tive paralisia infantil, sou paraplégica, ando de cadeira de rodas.
Logo após eu contar a deficiência, meu interlocutor (a) não pedia mais meu telefone, nem e-mail. E, quando, por delicadeza pediu, jamais me escreveu.
Na maioria das vezes, assim que eu contava sobre "minha deficiência", eu era “abandonada” na salinha, sem nenhuma explicação.
Essa experiência veio me provar, que o preconceito nas salas de bate papo era muito grande.
Acreditei firmemente, que se houvesse uma sala de bate-papo onde os portadores de deficiência não precisassem “esconder” sua deficiência para poder ter uma amizade, mesmo que virtual, seria o ideal.
Pensei em fazer um site, e nele criar essa sala, mas, quem saberia da existência dela? Eu era uma pessoa desconhecida, uma simples aposentada.
Depois de muito pensar a solução que encontrei, foi criar a sala num provedor em que as salas de bate-papo fossem bem conhecidas.
Decidi então escrever para todos os provedores. Mandei-lhes mails relatando as discriminações pelas quais minha filha havia passado, e também sobre as minhas experiências feitas. Pedi-lhes, que criassem uma sala destinada aos portadores de deficiência.
De todos eles, só o UOL retornou em forma de mensagem eletrônica: “Estamos estudando o assunto.”
Aguardei novo retorno, mas ele não aconteceu.
Mês após mês tornava a mandar e-mail, e novamente, recebia apenas como resposta, uma mensagem eletrônica, com alegações de que estavam estudando o assunto.
Resolvi fazer um abaixo-assinado, via internet.
Num relato curto, contei sobre as discriminações sofridas pela minha filha, das experiências feitas e sobre minha reivindicação.
Fui a primeira a assinar o abaixo assinado. Comecei por passá-lo às minhas amigas e amigos. Pedi a eles que depois que assinassem, repassassem aos seus conhecidos e assim por diante.
A maior dificuldade que tive para conseguir as assinaturas, foi a exigência de que as pessoas colocassem ao lado do seu nome, o seu registro geral (RG), com medo, muitos se recusavam a assinar.
Mas pessoas bem intencionadas iam uma, após outra colocando suas assinaturas.
Após ter atingido a meta exigida de assinaturas para um abaixo assinado, novamente enviei um e-mail para o UOL, com o abaixo assinado anexado, mas, de nada adiantou, ele continuou a ignorar meu pedido.
Comecei então, a mandar e-mails e cartas para tevês, rádios e jornais, neles eu falava sobre o preconceito encontrado e sobre meu sonho de criar a sala para de bate-papo para portadores de deficiência, infelizmente também nesse caso fui totalmente ignorada por eles.
Apesar de ter escrito para muitos e muitos lugares, nunca tive um retorno sequer.
Naquela manhã fria, o desanimo, tomou conta de mim, sentada no sofá, cabeça baixa, mãos segurando o rosto, achei que a luta era insana e que estava na hora de desistir, pois já havia se passado mais de dois anos desde que eu começara a lutar, e nada tinha conseguido.
Estava entretida nesse pensamento quando o telefone tocou, era Luciana, minha amiga do Rio de Janeiro, ela queria saber se eu tinha alguma novidade.
Suspirando lhe respondi que a única novidade que tinha era que estava cansada de lutar e por isso a partir daquele dia eu estava abandonando meu sonho, estava desistindo de tudo.
Ela disse algumas palavras de ânimo e depois perguntou:
- Muriel por que eu não mandava uma carta para o jornal O Globo, daqui do Rio de Janeiro? E continuou:
- Esse jornal publica todas as cartas dos leitores.
Respondi, desanimada:
- Lu, se os jornais daqui de São Paulo, não se interessaram em publicá-la, imagina se esse do Rio vai se interessar em publicar. Não vou mais lutar. Desisti.
Despedimos-nos e fui me deitar.
O texto De Mãos dadas com Deus
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