19 de ago. de 2016

#De_mãos_dadas_com_Deus (Resumo do livro)

Resumo do Livro: De Mãos Dadas Com Deus
Muriel Elisa Távora Niess Pokk 

A CHEGADA DE RITA
Numa manhã fria de abril, após uma cesariana, nascia aquela que iria transformar para sempre a minha vida, em todos os sentidos.
Eu acabara de voltar da sala de cirurgia, quando entrou apressadamente em meu quarto um médico que, identificando-se como pediatra, indagou pelo meu marido, dizendo que precisava falar urgentemente com ele.
Meu marido havia saído. Mas, preocupada com a saúde da minha filha, disse ao médico que ele poderia falar comigo mesma.
Ele, então, disse:
– Eu queria falar com seu marido, mas já que ele não está vou falar com a senhora.
E, sem nenhuma delicadeza, proferiu a inesquecível frase:
– Sua filha é mongol.
Sem querer acreditar no que eu estava ouvindo, mesmo sabendo o que era uma criança “mongol” – naquele tempo essa era a expressão utilizada –, perguntei:
– O que é isso?
Ao que ele retrucou:
– Ela é retardada. Além de ser retardada, possui problema cardíaco e, por esse motivo, fica roxa com muita facilidade.
(Foi exatamente dessa forma que se manifestou).
Totalmente desnorteada, perguntei-lhe:
– Mas ela se mexe?
Ele respondeu:
– E de que adianta isso? Olha, não fique muito chateada, pois ela deve morrer logo. Criança com essa síndrome, e ainda com problema de coração, não vive muito tempo, talvez ela nem chegue a sair do hospital.
Dizendo essas coisas, sem me permitir perguntar mais nada, saiu do quarto na mesma velocidade com que entrou, sem nunca mais retornar.
O choque foi muito grande. Eu estava sozinha. Não tinha ninguém para conversar. Cada membro da minha família tinha seus afazeres e não podia me fazer companhia no hospital.
Meu marido tinha ido trabalhar, mesmo podendo ter optado por ficar comigo.
Uma dor imensa me invadiu.
Senti-me abandonada, senti-me como se eu estivesse em alto-mar agarrada apenas a um pedaço de madeira, sem terra à vista...
Como uma criança pequena, chorei desesperadamente.
Não queria acreditar, não era verdade que minha filha era deficiente.
Esse médico tinha se enganado, há tantas pessoas que se enganam.
À noite, quando meu marido chegou, contei-lhe que o médico havia dito que nossa filha era “mongol”. Por ele não saber do que se tratava, entre lágrimas expliquei-lhe o que isso significava.
Em nenhum momento ele me deu um beijo, segurou minhas mãos ou me deu um abraço. Quando terminei de falar, ele ficou olhando fixamente para mim e, a seguir, falou:
– O que a gente pode fazer? Paciência!
Sem dizer mais nada, deitou-se e dormiu.
Eu não podia acreditar que aquele era o homem por quem tinha me apaixonado.

Bastou olhar para Carlos, ali, ao meu lado, dormindo naquele quarto, como se nada tivesse acontecido, para me voltar a angustiante sensação, ter a certeza, pela frieza de suas palavras, de que ele não me daria apoio algum.
Naquele momento algo morreu dentro de mim.
Sem conseguir dormir, chorei e rezei a noite inteira.
Pela manhã, muito antes do horário normal, Carlos saiu para trabalhar.
Sequer falou sobre nossa filha, nem mesmo esperou para ver a menina.

RITA EM MEUS BRAÇOS
Às 6h30, trouxeram minha pequena Rita para que eu pudesse segurá-la. Como eu ainda não podia levantar a cabeça por causa da anestesia, a enfermeira colocou-a em meus braços.
Ao sentir seu corpinho franzino e pequenino junto a mim, percebi o quanto ela era indefesa e frágil. Segurei suas mãozinhas e falei:
– Estarei sempre ao seu lado. Nunca vou abandonar você. Nós duas, juntas, vamos vencer todas as barreiras que surgirem em sua vida. Juntas, vamos vencer tudo e todos.
Com apenas um dia de vida, Rita pareceu ter compreendido o que eu dissera e sorriu para mim.
Uma força muito grande invadiu-me naquele momento.
Quando a levaram de volta ao berçário, percebi que eu não poderia ficar no hospital os cinco dias recomendados. O tempo era precioso e, quanto antes saísse dali, melhor seria.
Pedi ao médico que me liberasse para que eu pudesse ir para casa. 
Mas Alegando que não havia completado 24 horas da cirurgia, ele não me liberou.
Ao meio-dia, a enfermeira trouxe outra vez minha filha para ficar um pouco comigo. Quando ela saiu, decidi que iria fugir com a Rita.
Não iria deixar minha bonequinha morrer, como aquele médico dissera.
O tempo parecia colaborar, fazia muito frio. Vesti meu casaco, coloquei-a debaixo dele e desci dois andares pelas escadas. Fui pelas escadas porque tive medo de que algum médico ou enfermeira pudessem impedir minha fuga, se me pegassem no elevador.
Chegando ao andar térreo, senti o vento forte e gelado que entrava pela porta aberta do hospital. No momento, não dei muita importância ao fato. Disfarcei um pouco e, tremendo de medo, saí pela porta central, encontrando, por providência divina, um táxi ali estacionado.
Ao entrar no automóvel, tirei minha filha de dentro do casaco. Antes que o taxista pensasse que eu havia roubado a criança, expliquei o que estava havendo.
Uma dor de cabeça muito forte começou a me torturar. Conforme o carro balançava, meu cérebro parecia estar solto, minha cabeça parecia que ia explodir de tanta dor.
Mesmo antes de chegar ao meu destino, quase não conseguia enxergar mais nada. A dor se espalhara por toda a minha cabeça e sobre os meus olhos.
Ao chegar à casa de minha mãe, para pegar meu filho, que ficara aos seus cuidados, não lhe contei a verdade, disse apenas que eu pedira alta, pois a menina era muito fraquinha e eu tinha medo de que ela morresse no hospital.

Deitando no sofá da sala, expliquei-lhe que estava com muita dor de cabeça e que mal conseguia abrir os olhos. Mamãe foi buscar um travesseiro e um cobertor, fez um chá e deu-me dois comprimidos para que a dor de cabeça melhorasse.
Mas a dor não passava e, por esse motivo, fiquei em sua casa, deitada, ali no sofá, por uma semana.
Passados esses sete dias, minha mãe se sentou próximo a mim e disse que lá era sua sala de visita e ela precisava usar o sofá em que eu estava deitada.
Como eu já estava supersensível, aquelas palavras me magoaram de forma profunda. 
Tristemente eu me indagava: como vou fazer para cuidar de duas crianças pequenas, com essa dor de cabeça e ainda por cima com os pontos da cirurgia?
Contendo as lágrimas, levantei-me, me arrumei e vesti meu filho, que ainda estava de pijama. Despedimo-nos de mamãe e entramos no táxi à nossa espera.
Assim que cheguei em casa, um grande vazio e uma imensa solidão me invadiram. Sentia-me tão só! Tinha vontade de chorar, mas segurei as lágrimas para que meu filho não as visse.

A dor de cabeça e a dor no corte da cesariana eram muito grandes, minha vontade era deitar, mas como fazer isso, sabendo que meu menino estava faminto? 
Praticamente me arrastando fui fazer comida para que nós dois nos alimentássemos.

RITA SAIU DA MATERNIDADE JÁ PRECISANDO DE CUIDADOS ESPECIAIS
 Rita saíra da maternidade muito resfriada. Seu chorinho era muito baixinho, ela quase não tinha voz. Ficava roxa todas as vezes que chorava e não tinha forças para mamar.
Quando tentei dar o seio à minha filha, ela o chupava muito suavemente. Percebi que Rita não tinha força suficiente para sugá-lo. Então colocando o leite do peito numa colherzinha, tentei dar a ela, mas ela se engasgou.
Ela precisava se alimentar. 
Angustiada, fiz uma nova tentativa... Coloquei o leite numa pequena xícara e, com um conta-gotas, fui colocando gota a gota o leite em sua boquinha.
  
Depois coloquei Rita e Eduardo na cama. Quando adormeceram, comecei a chorar. Rezando muito que pedi para Deus me ajudar, para não me desamparar, para não sair de perto de mim, pois eu só tinha a ELE.

Meu marido sabia que eu já estava em casa, por isso pensei que ele fosse chegar cedo para me ajudar com as crianças, mas alegando que estava trabalhando, só chegou de madrugada, como sempre.

QUEM SABE O MÉDICO NÃO TINHA SE ENGANADO
Na semana seguinte, quando já havia tirado os pontos, marquei num laboratório famoso o exame de nome Cariótipo. Eu precisava ter certeza de que o veredicto do médico era real. Quem sabe ele não tinha se enganado?
Sem nenhuma companhia, levei minha filha para fazer o exame.
Quando o mesmo ficou pronto, fui tomada por uma grande sensação de medo. Meu coração parecia espremido no peito. Queria que alguém fosse comigo para buscar o resultado, mas todos estavam ocupados demais, inclusive o meu marido. Ao implorar a ele que me acompanhasse, ouvi:
– Não dá para ir com você agora, mas deixa, qualquer dia eu pego esse bendito exame.
Na curiosidade angustiante em que eu me encontrava, não havia como esperar para outro dia.
Deixei meus filhos na casa da minha irmã e fui sozinha ao laboratório.
Trazia no coração uma esperança tênue de que o resultado do exame fosse negativo. Mas, infelizmente, ao abrir o exame, lá estava escrito em letras maiúsculas: “PORTADORA DA SÍNDROME DE DOWN”.

Eu queria sair correndo, mas as pernas não obedeciam. Queria abraçar alguém, mas não havia ninguém para eu abraçar ou para me abraçar. Mais uma vez, eu estava sozinha quando mais precisava de companhia.
Só me restava chorar, e chorei muito, ali mesmo, sem me importar com mais nada. 
Quando saí do laboratório e entrei no meu carro, as lágrimas já corriam silenciosamente. 
Comecei a dirigir. De repente senti como se a vida fosse minha antagonista, como se quisesse me derrubar... Eu a vi com um olhar de gozação e um sorriso zombeteiro, a me dizer:
– Eu venci!
Isso começou a me sufocar, abri a janela do carro, precisava respirar.
Uma raiva imensa da vida começou a crescer dentro de mim. Com todas as minhas forças eu gritei o mais alto que pude - durante todo o percurso -, sem me importar se as pessoas dos outros carros estavam me ouvindo:
“Você, vida, não vai me vencer. Eu vou vencer você, eu vou vencer você, eu vou te vencer!”.
Depois, já quase chegando em casa, fui repetindo essas frases, mas sem gritar.
Sabia que a luta dali para frente seria grande. Mas não sabia com certeza a extensão dessa batalha.


COMO RITA FICAVA ROXINHA
Como Rita ficava roxinha e muito fria, eu a enrolava em cobertores e colocava ao redor dela várias bolsas de água quente, trocando--as assim que amornavam.
Amigos me aconselhavam a colocar um aquecedor, mas eu tinha medo de que ela pudesse se queimar.
Os médicos não me davam muita esperança quanto ao futuro da minha filha. O que eu ouvia deles era terrível. Um me disse que ela nunca iria ter dentes, pois não possuía arcada dentária; outro afirmou que ela nunca iria andar, pois, além da falta de coordenação, tinha os pés voltados para dentro. Cada vez que ia a um médico, ficava mais e mais amargurada.
Desisti de consultar os médicos para avalição de minha filha, quanto à Síndrome de Down, quando, em uma consulta, um deles me disse:

– Se o exame dela tivesse dado “mosaico”, ela poderia melhorar, mas, como a senhora pode ver, o exame deu trissomia 21 total, portanto é muito difícil esperar qualquer coisa dela.

Saí do consultório com o coração aos pedaços. Orando, falei para DEUS:
– Deus os médicos podem ter o conhecimento da Terra, mas eles não têm o conhecimento do Céu. SENHOR, os homens não têm cura para minha filha, mas o SENHOR tem. Oh! DEUS, Todo Poderoso, me ensina e me mostra tudo o que existe e que pode levar à cura da minha filha, ou pelo menos que a faça chegar bem perto da cura.
Andando com ela nos braços, segurei sua mãozinha e disse:
– Nós vamos achar o caminho!
E ela novamente sorriu para mim.

APRENDENDO A AJUDAR RITA
Deus, na sua bondade infinita, fez com que eu me lembrasse, repentinamente,
de minha avó. Ela havia sido enfermeira na Alemanha e curara sua filha de cegueira com tratamentos naturais.
Busquei seus livros, todos eles escritos em alemão. Mandei que traduzissem os trechos que falavam sobre deficiência mental. Ali encontrei ensinamentos que levarei comigo por toda a vida. E que hoje faço questão de dividir com todos.
Ao ler os textos, fui decifrando conselhos milagrosos. Verifiquei que os métodos eram lentos e exigiam muita disciplina. Não me amedrontei. Se minha avó tinha conseguido, eu também conseguiria.

LENDO AS TRADUÇÕES FEITAS, APRENDI QUE:

• Cada vértebra corresponde a uma parte do corpo humano.
• A água tem grande valor terapêutico.
• Banhos a vapor, banhos quentes, banhos frios e, muitas vezes, todos esses banhos, intercalados, fazem verdadeiros milagres.
• Exercícios podem e devem ser feitos já nos primeiros dias de vida, desde que não haja contraindicação médica.
• Devemos conversar com a pessoa que está sendo tratada, sempre lhe assegurando de que ficará curada, mesmo que essa pessoa seja apenas um bebê.
• A parte digestiva é uma das responsáveis pelo atraso mental.
• Uma alimentação natural ajuda muitíssimo, uma vez que desintoxica o organismo, e o organismo desintoxicado faz o corpo funcionar melhor.
• Chás, ervas e raízes fazem verdadeiras maravilhas.
• Os enlatados, os frios e os refrigerantes são os piores inimigos para quem quer ter uma mente sã.
• Os produtos colocados nas latas para conservação dos alimentos e os produtos que conservam os frios envenenam o sangue, atacam o pâncreas, o fígado, a vesícula e, consequentemente, todo o corpo.

Entendi que, se eu quisesse fazer algo pela minha filha, tinha de começar pela alimentação e pelos exercícios.

APLICANDO OS ENSINAMENTOS
Comecei a fazer o que o livro ensinava:
1. Massageava o corpo inteiro de Rita para ativar sua circulação.
2. Massageava a coluna vertebral, correndo com os dedos indicadores de cima para baixo, dos dois lados ao mesmo tempo, para massagear cada ramificação.
3. Massageava cada vértebra. A massagem das vértebras era feita de forma ritmada, com pressões circulares ao redor dela, e depois eram feitas pressões em cada vértebra de cima para baixo, começando na nuca e indo até a última vértebra. Tudo com muita delicadeza e cuidado.
4. Levantava com muito carinho seus bracinhos e os abaixava.
5. Cruzava-os na frente do peito e os abria em cruz.
6. Cada perninha era levantada sem dobrar o joelho e abaixada da mesma forma.
7. Segurava seus pezinhos juntos, dobrava seus joelhos e os empurrava, fazendo uma leve pressão, para que eles chegassem perto da barriga. Depois esticava suas pernas novamente.
8. Enquanto uma perna ficava esticada, com a outra eu dobrava seu joelho, levando-o até a barriga – praticamente era o mesmo exercício, só que com uma perna de cada vez.
9. Segurando seu pé, apoiava a mão esquerda em seu calcanhar e com a direita eu girava seu pezinho (sempre com delicadeza) para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo.
10. Apoiando suas costas em uma das minhas mãos e a outra em seu peito, fazia com que se sentasse e deitasse.
11. Da mesma forma, segurava sua cabecinha (com muito carinho) e virava-a para a direita e para a esquerda.
12. Segurava os dedinhos das mãos e os fazia dobrar-se sobre meus dedos indicadores, aí eu os puxava delicadamente para que ela aprendesse a segurá-los.

 ERA PRECISO MUITA DISCIPLINA
Era preciso muita disciplina para cuidar da minha pequena Rita.
Seguindo os conselhos de minha avó e meu próprio bom senso, todos os exercícios eram aplicados sempre no período da manhã, e na seguinte ordem:
1ª semana: cada exercício apenas 1 vez.
2ª semana: cada exercício apenas 2 vezes.
3ª semana: cada exercício apenas 3 vezes.
4ª semana: cada exercício 4 vezes.
E assim sucessivamente, até chegar à 10ª semana.
Na 10ª semana, cada exercício era aplicado 10 vezes.
Depois de seis meses, passei a fazer os mesmos exercícios duas vezes por dia, de manhã e ao entardecer. E jamais depois das 18 horas.
A coluna é nosso sustentáculo e por isso deve ser cuidada desde os primeiros dias de vida, para que se desenvolva forte e sadia. Por isso, ao trocar as fraldas de Rita, em vez de prendê-las com alfinete, eu as prendia com faixas largas. Começava a enrolar a faixa pelos quadris e ia enrolando até chegar embaixo dos braços. Usava esse método para que sua coluna se fortificasse na posição correta.
Depois de ler que exercícios sobre uma bola ortopédica trariam muitos benefícios para minha filha, adquiri uma de um metro de diâmetro, para fazer fisioterapia nela.
Uma parte dela eu enchi no posto de gasolina, mas o restante enchi no sopro, porque, totalmente cheia, ela não passava pela porta de entrada.
Deitava Rita sobre a bola e a segurava delicadamente, inclinando a bola para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo.
Mesmo tendo poucos dias de vida, conversava com ela. Eu lhe dizia:
– Você vai ficar boa, você é linda, você é minha princesa.

No começo dos exercícios, Rita não demonstrava nenhuma reação, mas, com o passar do tempo, começou a fazer menção de virar para o lado oposto daquele para o qual eu virava a bola. Começou a fazer força com a cabecinha para cima, quando eu inclinava a bola para trás, e a apoiar levemente as mãozinhas na bola para se “segurar” quando eu inclinava a bola para frente.

SE NÃO PODIA CONTAR COM NINGUÉM, COM DEUS EU PODIA CONTAR
Voltei a trabalhar quando Rita completou quatro meses. Mas isso
não me impediu de continuar cuidando dela.
Tentei no meu trabalho que me permitissem sair para levar minha filha aos tratamentos que ela precisava. Mas meu pedido foi negado.
Se eu saísse em hora de expediente, seria descontado do salário, e se saísse mais de 3 vezes, no mesmo mês, me seria cortado o dia. Quando fui falar com o diretor, ele me disse:
– Se a senhora não pode trabalhar, saia do emprego.
Como eu iria sair se eu precisava daquele salário para ajudar na manutenção da casa?
Não me dei por vencida por não encontrar ajuda no trabalho, nem mesmo por não encontrar uma pessoa que pudesse levar Rita aos tratamentos adequados. Se não podia contar com ninguém, com Deus eu podia contar. Nessa noite rezei e chorei, pedi a Ele que me ajudasse a encontrar um meio de poder ajudar a minha filha.
Na manhã seguinte, passando por uma banca de jornal, vi uma revistinha em que estava escrito assim na capa: “Você pode ajudar seu filho com deficiência mental”.
Essas palavras pareciam uma resposta de Deus para mim. Comprei na hora a revista. Lá realmente não tinha nada muito útil. Mas eu entendi que era uma mensagem de Deus, e isso me levou à biblioteca.
Comecei a ler sobre os métodos usados por profissionais para ajudar pessoas com a Síndrome de Down. Eu devorava os livros. Muitas vezes, ao invés de pegar apenas um livro, eu pegava 5, 6, porque queria ler tudo que pudesse ajudar minha filha.
Foi através da leitura e usando todos os ensinamentos que os livros me forneceram, que me tornei “psicóloga”, “fonoaudióloga”, “professora”, “nutricionista”, “fisioterapeuta”, “massagista”, “cozinheira”, etc.

Eu tinha sede de aprender, por isso li também outros livros, com outros ensinamentos. Li livros que falavam sobre medicina natural, do-in, impostação de mãos, transmissão de energias, poder do pensamento, poder da palavra e muitos outros livros.
Foi nessa época que “peguei” das religiões, conceitos e crenças somente o que achei que era bom para mim. Bati tudo no liquidificador da vida. E fiz a minha própria religião.

RITA PRECISAVA DESENVOLVER HABILIDADES ESSENCIAIS: 
                           SENTAR, MASTIGAR, ANDAR
Aos 8 meses, comecei a sentar Rita no cadeirão, para lhe dar comida.
Mas ela não conseguia ficar reta e se inclinava para frente, encostando a cabeça em cima do prato.
Tive a ideia de colocar uma almofada entre ela e a mesinha do cadeirão. A almofada impedia que ela se inclinasse para frente, mas não impedia que “caísse” para os lados. Então peguei duas faixas e cruzei-as em seu peito, amarrando as pontas na parte de trás do cadeirão.
Aí sim ela ficou sentada corretamente.
Comecei a dar-lhe papinha, mas caía tudo para fora da boca, porque ela movimentava sua língua, empurrando a comida para fora.
Resolvi ajudá-la a mastigar... Com carinho, empurrava sua língua para dentro da boca, aí colocava a comida e depois, ternamente, segurava o queixo dela e o impulsionava para cima e para baixo, simulando a mastigação.
Percebi que o que eu fazia impedia que sua linguinha saísse da boca totalmente, por isso, a partir daquele momento, todas as vezes que ela ia comer, eu procedia do mesmo jeito.

Busquei novamente ajuda nos livros. O que achei em um deles foi uma massagem específica, que assegurava dar ótimos resultados. E que ajudaria a manter sua língua dentro da boca, facilitando, assim, a mastigação.
Comecei a executar o que era indicado.
A massagem era feita na mandíbula inferior. Devia começar a partir da articulação e sempre ser iniciada pelo lado esquerdo.
Como o livro ensinava, eu começava a massagem com leves pressões no encaixe da mandíbula esquerda e continuava pela mandíbula inteira, até o encaixe desta, do lado direito.
A segunda massagem era feita com movimentos rotativos, nos encaixes das mandíbulas, e ao mesmo tempo, com leves pressões.
A terceira massagem era feita com movimentos rotativos nas têmporas.
A quarta massagem era feita na mandíbula com leves pressões embaixo do queixo. Ela tinha que ser feita na seguinte sequência: 
Começar pelo dedo mínimo, passar pelo anular, pelo dedo do meio, indo terminar no dedo indicador.
O livro explicava o motivo para esse procedimento: cada um de nossos dedos tem uma “força” diferente. O dedo mínimo é o que tem menos força, então, à medida que se muda de dedo, a pressão aumenta.
Eu aplicava a sequência explicada milímetro por milímetro em toda a mandíbula inferior. Como no primeiro exercício, eu começava pelo encaixe da mandíbula, do lado esquerdo, bem próximo à orelha e ia terminar no encaixe da mandíbula direita, também bem próximo à orelha.
A quinta massagem-exercício consistia em abrir e fechar a boca da minha filha, simulando uma mastigação. A cada exercício era necessário fazer massagens rotativas nos encaixes das mandíbulas, para evitar que o exercício “abrir e fechar a boca” provocasse dor em Rita futuramente.
Acrescentei mais essas massagens às outras que eu já fazia.

COMEÇANDO A ANDAR
Quando achei que Rita já estava bem firme nas pernas e que poderia começar o treinamento para aprender a andar, peguei um par de meias de seda e cortei os pés. Sentei Rita no meu colo, vesti as meias nas nossas pernas - minha e de Rita, juntas-. Depois, com ela de frente para mim, segurando suas mãos, com seus pezinhos sobre os meus, fui andando para trás, bem devagar, o que, para ela, significava caminhar para frente. Fiz isso muitas vezes, até que ela tivesse controle absoluto das pernas.
Ao completar um ano e cinco meses, Rita apoiou-se em mim, pedindo minha ajuda para começar a andar sozinha.
A partir desse dia, para ajudá-la, eu dobrava, várias vezes, triangularmente, uma frauda de pano e passava por debaixo de seus braços, segurava as duas pontas em suas costas, firmando-a para que conseguisse manter-se de pé sozinha.
Nem acreditei quando vi, finalmente, que ela conseguiu andar sem que eu precisasse segurá-la. Mas ela dava alguns passos e caía, porque tropeçava nos próprios pés, que eram virados para dentro.

Quando Rita completou dois anos e meio, achei que tinha chegado a hora de trabalhar o resto de sua coordenação. 
Fazia tudo como se fosse uma brincadeira, para ela não se cansar e sempre querer participar.

TRABALHANDO OS SENTIDOS E A PERCEPÇÃO DE RITA
Passei a ampliar os exercícios que fazia com Rita. Agora precisava fazer com que ela aguçasse seus sentidos e a percepção do que estava à sua volta.

CAMPO DE VISÃO E COORDENAÇÃO
Para aumentar seu campo de visão e sua atenção, resolvi usar uma lanterna.
Deixava o quarto na penumbra e, acendendo a lanterna eu dizia:
– Filhinha, cadê a luz?
E ela ia procurando onde estava o foco de luz. Aí, quando ela o achava, eu batia palmas e dizia:
– Achoooooooou!
Apagava a lanterna e a direcionava para outro ponto. Acendia novamente a lanterna e a fazia procurar novamente o ponto de luz.
Algumas vezes, colocava o foco da lanterna na parede, atrás dela, para que precisasse se virar para achá-lo.
Outras vezes dirigia vagarosamente o facho de luz para cima e para baixo, para frente e para trás para que ela o seguisse. Fazendo com que ela aguçasse sua atenção.

AUDIÇÃO
Para trabalhar a audição de Rita, eu tocava um sininho atrás dela, e ela se virava para ver o que era. Quando ela se virava, eu lhe dava um beijo. E ela ria.
Depois, eu tocava o sininho do seu lado direito, fazendo-a se virar nessa direção. Após isso, tocava o sininho do lado esquerdo, para que ela fizesse o mesmo.
Em dias intercalados, fazendo o mesmo exercício, usei outros objetos como por exemplo, amassava papel alumínio,  batia com a mão num tamborim, batia com uma colher numa tampa de panela - ou panela-, e também costumava bater palma.

TATO
Para acentuar o tato de Rita, eu a fazia segurar primeiramente um objeto fino e, logo a seguir, um objeto grosso; um objeto grande e, logo a seguir, um objeto pequenino. 
Delicadamente passava sua mão sobre uma lixa e depois sobre um pano de veludo; sobre objetos lisos e depois sobre objetos ondulados; sobre uma bolsa de água quentinha e depois sobre uma bolsa de gelo. Fazia Rita passar a mão numa bola pequena e depois, sobre um quadrado, numa flores e depois num bichinho de borracha etc.

PALADAR
Para que seu paladar ficasse mais apurado, colocava em sua boca pequenina uma pitada de sal, deixava que ela sentisse bem o sabor e a seguir colocava a mesma quantidade de açúcar. Outras vezes, fazia a mesma coisa, só que com limão e depois com mel, colocava em sua boca algo frio e, depois de alguns segundos, dava-lhe algo quentinho, como exemplo, a mamadeira, colocava um pouquinho de canela em pó na sua boca e depois, um pouco de cravo em pó etc. 
Tudo era feito com muito carinho para que ela não se assustasse, distinguisse e guardasse bem as diferenças de sabores.
Olfato
Para ajudar Rita a melhorar seu olfato eu a fazia cheirar perfume e depois algo com cheiro ruim, cheirar vinagre e depois cebola, cheirar café e depois chá forte. Assim, durante os estímulos, ia usando sempre, algo com cheio gostoso e logo depois algo com cheiro desagradável. 
Desta forma ia trabalhando o olfato de minha filha, para que ele ficasse cada vez mais apurado.

ENSINANDO RITA A FALAR
Mesmo fazendo todos os exercícios que eu lera nos livros, minha filha aos dois anos só falava “pa” (papai), “ma” (mamãe), “du” (Eduardo), mas mesmo assim esse “du” saía mal pronunciado, algo como “diu”. 
Um dia, chorando, falei para minha irmã Catarina que eu achava que a Rita nunca ia falar direito. Ela então me disse:
– Por que você não usa o método que eu usei para minha filha?
Naquele instante pensei:
É mesmo, se a Silvia que é deficiente auditiva profunda, aprendeu a falar, a Rita também vai aprender. E pensei ainda: Rita pode demorar, mas, se a Silvia conseguiu falar, sem ouvir, a Rita também vai conseguir falar, porque ela ouve, já é uma vantagem.

Aceitei mais esse desafio. 
Minha irmã me passou todos os exercícios que ela fizera com sua menina. 
Como minha irmã me ensinara, eu olhava de frente para Rita e pronunciava bem pausadamente cada palavra. 
Ouvindo os conselhos de Catarina, eu usava sempre palavras bem fáceis.
Um dia minha irmã me vendo ensinar Rita a falar, me disse:
– Por que você não faz como eu fazia com a Silvia? Coloca o dedinho da Rita sobre sua narina e fala a palavra forçando bem a sílaba nasal. Por exemplo: “nnnãão”. Quando as palavras forem com “R”, você coloca a mãozinha dela na sua garganta e força bem o “R”.
Por exemplo: ”rrremédio”. E, se a palavra for com “S” ou com o som de “S”, você coloca o dedinho da Rita sobre seus lábios e diz sibilando.
Por exemplo: “ssssssssiiilêncio”.
Assim fiz, durante meses, mas Rita não falava.
Lembrei-me que a fonoaudióloga da minha sobrinha usava um espelho, para mostrar a ela a movimentação da boca.
Pensei: “Mais uma batalha, será que eu consigo?”
Comprei um espelho grande. Coloquei-o apoiado no chão. 
Sentava-me com Rita em frente ao espelho e ia pronunciando as vogais, para que ela visse como tinha que fazer.
Depois que eu havia falado uma vogal, segurava a boquinha dela e fazia com que ela abrisse a boca da mesma forma que eu abria a minha.

Mas se ela não conseguisse, eu a ajudava.
Letra A
Enquanto ela emitia o som da letra A, para ajuda-la a abrir melhor a boca, eu colocava meu dedão e o meu dedo indicador dentro da boquinha dela. Enquanto o meu dedo indicador se apoiava nos dentes superiores, o polegar empurrava, com delicadeza, a mandíbula para baixo.
Letra E
Para falar a letra E, com delicadeza, eu comprimia e empurrava, as laterais de seus lábios, fazendo-os abrirem-se num pequeno sorriso.

Letra I
Para falar a letra I, fazia o mesmo procedimento que o da letra E, mas, desta vez, fazia Rita abrir mais o sorriso e fechar mais a boca.


O MEU PEQUENO AJUDANTE
Um dia estou na cozinha fazendo o jantar e ouço meu filho falando AAAAAAAA, OOOOOOOOOO, UUUUUUUUU, IIIIIIIIII, EEEEEEEEE.
Achei que ele estivesse brincando sozinho na frente do espelho.
Fui até a sala para vê-lo. A cena que presenciei me deixou muito emocionada: ele estava sentado ao lado da Rita, em frente ao espelho, ensinando-a a pronunciar as vogais. Ele sempre ficava vendo eu fazer esses tipos de exercícios, mas sempre achei que ele apenas olhava por olhar. Mas não, o meu pequeno olhava para aprender e me ajudar.

Muito trabalhei com a minha filha para que ela falasse, mas ela não falava. Cheguei a levá-la para fazer audiometria, pois achava que ela não falava porque não escutava bem. Mas graças a Deus deu tudo normal.
Não me recordo exatamente com quantos anos Rita começou a balbuciar, nem me lembro das palavras que ela só falava uma sílaba. Lembro que sempre que Rita queria água, apontava para o filtro de barro e dizia: Ga...Ga. Eu apontava para o filtro e dizia: AAAGUUAAA.
No dia em que Rita fez 4 anos, ela me pegou pela mão, apontou para o filtro e disse: AAGUUUAAA. Como se me dissesse: “Mãe, agora eu sei falar.”

Lembro que nesse momento eu lhe dei um monte de beijos, depois, escondida no banheiro, muito emocionada, chorei. Agradeci a Deus por minha filha estar falando.
Daí em diante as palavras corretas começaram a fluir. Dava a impressão de que todas as palavras que eu havia lhe ensinado, ela as tinha armazenado na memória, para quando falasse, falar de vez.
Às vezes, como é normal a qualquer criança, ela não conseguia falar corretamente uma palavra. Então eu corrigia, e pedia para que ela repetisse a palavra, mas ela não repetia. Passados alguns dias, ela vinha até mim e falava a palavra certinha.
A impressão que me dava era que ela ficava “martelando” mentalmente a palavra correta, até conseguir decorar, e só então ela a falava.

ESTÍMULOS PARA RITA
Quando Rita completou três anos e meio, comecei a trabalhar com as cores. Comprei um boliche de plástico e pintei cada garrafinha de uma cor. Durante meses, mostrando a ela o pino, falava a cor.
Depois, brincando com ela, colocava um pino – por exemplo, o vermelho – em pé e dizia:
– A mamãe vai pegar a garrafinha vermelha!
Corria até a garrafinha e a pegava. Aí falava para ela:
– Agora é você quem vai pegar a garrafinha vermelha.
Ela olhava para mim e continuava sentada no chão. Então eu a levantava, segurava suas mãozinhas, levava-a até o pino e fazia com que ela o pegasse. Aí eu batia palmas e fazia festinha para ela, e ela sorria. Passados mais de três meses de várias tentativas sem sucesso, depois de mais uma tentativa infrutífera, eu caí em prantos e, olhando
para ela, falei:
– Não está dando certo. Você não pode compreender o que eu estou pedindo...
Ela me olhou, levantou, foi até a garrafinha vermelha, pegou-a e me deu. Como se dissesse: 
“Eu posso sim. Não desista, mamãe, está dando certo.”
Naquele momento eu a peguei no colo e a abracei e a beijei muito. Sua reação foi uma injeção de ânimo, ela estava conseguindo entender o que eu estava ensinando.
Após ter aprendido a cor vermelha, comecei a trabalhar com ela as outras cores. Agora era a vez do pino amarelo, e assim foi sucessivamente, até ela aprender todas as cores básicas.
Após ela ter aprendido, eu fazia diariamente exercícios para que ela não esquecesse mais as cores. Colocava 2 pinos de cores diferentes – por exemplo, o vermelho e o amarelo – e dizia:
– Agora, pega o vermelho.
Recolocava o pino vermelho e dizia:
– Agora, pega o amarelo.

DEFINITIVAMENTE SÓ
No quinto aniversário do meu filho, meu marido me comunicou que estava indo embora de casa, ele ia morar com outra mulher.
Ele estava me deixando sozinha, com duas crianças, uma de 3 anos com Síndrome de Down e um garotinho de 5 anos.
Após dizer adeus para as crianças, pegou suas malas e saiu.
Sentei no chão e comecei a chorar. Meu filho me abraçou e falou:
– Não chora, mãe. Eu estou aqui pra cuidar de você e da Rita.
Ele tinha apenas 5 anos e já se sentia com uma responsabilidade tão grande!
O desespero tomou conta de mim: como eu faria agora para sustentar sozinha minha casa?
Conversando com um amigo, ele me disse que havia um escritório de advocacia que estava procurando alguém que fizesse trabalhos de datilografia em casa.
Fui até lá e, após contar-lhes minha situação, fui admitida. Pegava os processos após sair do local em que trabalhava e ficava até tarde da noite datilografando-os.
No Dia das Mães, à noite, meu filho desceu vestindo seu pijama azul e, ainda sonolento, disse:
– Mãe, abre as mãos e fecha os olhos.
Quando senti aquele papel em minhas mãos, achei que fosse algum desenho feito na escola. Qual não foi minha surpresa quando, ao abrir os olhos, vi escrito: “Diploma de Datilografia, Eduardo Pokk”.
Mesmo eu o tendo proibido de pedir dinheiro para meus irmãos, ele havia pedido para o tio pagar-lhe o curso de datilografia!
Meu filho tirou o diploma com apenas 8 anos, porque queria me ajudar no serviço que eu trazia para casa. Ainda me lembro de suas palavras:
– Mãe, agora você pode dormir que eu vou fazer o seu trabalho.
Claro que nunca deixei, mas para ele não se sentir frustrado, comprei envelopes e, fazendo de conta que era algo que meu chefe queria, pedia para que copiasse alguns endereços da lista telefônica.

DRIBLANDO AS DIFICULDADES
Mesmo com dois empregos, a minha situação financeira não era boa, as despesas eram muitas.
Minha filha ficava numa escola particular o dia inteiro. Meu filho, que agora tinha 6 anos, fazia o pré, no período da manhã, numa escola do Estado.
Para poder buscá-lo na escola, eu deixava de almoçar. Saía do serviço na hora do almoço, pegava-o e levava-o para casa. Como ele ficava sozinho até eu voltar, eu trancava a porta da cozinha para ele não mexer com fogo e deixava pão e uma garrafa térmica com
chocolate. Sempre que eu ia trabalhar, deixando meu filho sozinho, fazia-o com o “coração na mão”.
Uma noite, quando entrei em casa, ao voltar do trabalho, ele me falou:
– Mãe, hoje você não precisa fazer o jantar, eu já fiz. Ele me levou pela mão até a cozinha e lá em cima do fogão tinha um arroz todo empapado, feito do jeitinho dele, e vários pedaços de tomate rasgados dentro de um prato.
Ele me disse:
– Os tomates eu piquei com as mãos porque você me proibiu de pegar faca.
Não tinha nem como brigar com ele por ter mexido com fogo.
Só pedi que ele nunca mais fizesse isso e expliquei que era muito perigoso.
Perguntei como tinha conseguido abrir a porta da cozinha e ele me disse que eu tinha esquecido a chave na porta.
Hoje posso afirmar que foi o melhor jantar de toda a minha vida.
**********
Depois de dar o jantar para meus filhos, colocava-os na cama e ficava ao lado deles até dormirem. A seguir, ia para cozinha fazer todos os alimentos que se podia fazer em casa. Fazia molhos naturais, macarrão, pão francês, queijo branco, leite feito do grão da soja, pão de queijo e bolo sem ovos. Na época a Rita tinha alergia a ovos. Por isso fui aprender a fazer coisas gostosas sem eles.
Em casa não entrava açúcar branco, porque aprendi que ele não era saudável. Usávamos como adoçante somente açúcar mascavo ou mel.

MINHA FILHA JÁ ESTAVA PREPARADA PARA APRENDER MAIS
Para que minha filha ficasse bem, eu fazia qualquer coisa. Apesar de trabalhar o dia inteiro, à noite, depois que voltava do serviço ensinava-lhe o que achava necessário para sua educação.
Para ajudá-la a conhecer o nome das letras e dos números, precisei ter muita paciência e perseverança.
Adquiri letras e números de madeira, em tamanho grande, para que ela pudesse manusear e sentir seus contornos.
Fiz todos os exercícios, como se fossem uma brincadeira gostosa.
Comecei pela primeira letra do alfabeto e pelo primeiro número.
Ao mostrar à Rita a letra “A”, eu dizia em voz alta o nome da letra.
Depois eu a fazia passar a mão sobre a letra de madeira e, conforme ela ia passando a mão, eu ia falando o nome da letra bem devagar, por exemplo: AAAA...
Após ela ter aprendido, separadamente, todas as letras do alfabeto, coloquei no chão as letras A e B, uma próxima da outra.
Dei a mão para a Ritinha, levei-a próximo das letras e, soltando sua mão, em tom de desafio, lhe dizia:
– Vamos ver quem pega primeiro a letra A.
Eu e ela “corríamos” até as letras... Assim que chegávamos mais pertinho delas, eu fazia de conta que não conseguia me abaixar, deixando, dessa forma, que ela pegasse a letra primeiro.
Se ela pegasse a letra errada, eu ignorava esse fato. Eu pegava a letra certa e, mostrando para ela a letra A, sorrindo, falava: “É esta que é a letra A”.
Fazendo de conta que estava muito contente, pulava e dizia: 
Eu ganhei!
Colocava as letras A e B novamente no mesmo lugar e recomeçava a brincadeira. Às vezes levava vários dias até que ela pegasse a letra certa.
E, quando ela acertava, eu a abraçava, dava-lhe muitos beijos e dizia:
– Parabéns, você acertou.
Após ela ter aprendido, separadamente, todas as letras do alfabeto, passei a fazer o mesmo com os números.
Mostrei-lhe o número 1. E novamente, enquanto ela também passava a mão sobre ele, eu lhe dizia:
– Este é o número 1.
Assim fiz com todos os números até o 9.
Como havia feito com as letras, colocava 2 números no chão e, brincando com ela, dizia:
– Vamos pegar o número 1.
Quando ela conseguiu pegar todos os números acertadamente, comecei a colocar no chão, lado a lado, o número 1 e a letra A, e pedia que ela fosse buscar o número 1.
E assim fiz com todos os números e letras.
Parentes e amigos diziam que eu estava louca. Que era um absurdo eu querer ensinar Rita a ler com 3 anos, ainda mais sendo ela deficiente.
Mas eu não queria ensinar a minha filha a ler, eu queria apenas que ela conhecesse o nome das letras e os números, assim como se ensina a uma criança o nome de colher, urso, prato, etc.

MÉTODOS QUE EU USEI PARA RITA APRENDER A FAZER AS LETRAS E OS NÚMEROS
Rita tinha seis anos quando achei que ela podia aprender a fazer as letras e os números.
Na parede da sala, bem próximo ao chão, com lápis preto, no tamanho aproximado de 50 cm, eu pontilhava com flechinhas o formato de uma letra. Depois dava para a Rita giz colorido e pedia que ela passasse por cima, seguindo as flechinhas.
No começo eu segurava sua mãozinha, para ajudá-la a ter coordenação suficiente para contornar a letra. Quando percebia que ela já conseguiria passar o giz por cima das setinhas, eu deixava que ela o fizesse sozinha. Apenas ia orientando-a verbalmente.
Os números, eu os desenhava também no tamanho aproximado de 50 cm, no chão, com giz branco. Depois pedia para a Ritinha passar o giz colorido por cima do giz branco.
Conforme ela ia passando o giz por cima do que eu havia feito, eu a estimulava a falar o nome da letra ou do número.
Quando ela desenvolveu a coordenação para fazer as letras e os números e já sabia o nome de cada letra e cada número, passei então para o papel.
Comprei várias folhas de papel-cartão (tipo de cartolina dura) na cor branca. Dei-lhe uma caneta vermelha de ponta grossa e pedi a ela que fizesse, na folha, qualquer letra ou número, no tamanho que quisesse.
Após vários meses com esse treino, cortei a folha ao meio e usei o mesmo processo.
Rita, depois de muitas orientações dadas por mim, começou a fazer as letras menores.
Era o que eu queria. Comecei a fazer, no papel-cartão, linhas separadas por espaço de 15 cm.
Isso ajudava Rita a ter limite ao fazer uma letra.
E assim, à medida que ela ia conseguindo fazer as letras dentro daquele espaço, eu ia lhe dando novos desafios... Ia diminuindo cada vez mais os espaços entre linhas.
Mudei, então, para uma folha branca (dessas que usamos para imprimir), e os espaços entre linhas ficaram com uma distância de 5 cm.
Depois fui reduzindo ainda mais a largura das linhas, até que ficassem iguais a um caderno.
Quando passamos para o caderno, foi muito difícil fazê-la escrever dentro das linhas, foi preciso muito treino. Fiquei muito desgastada, derramei muitas lágrimas por achar que ela não ia conseguir.
Muitas vezes eu lhe perguntei se ela queria parar de fazer os exercícios, mas ela dizia que não, que ia conseguir. Rita, mostrando-se forte e persistente, conseguiu vencer mais essa dificuldade.
Passamos, então, para o caderno... Caderno tipo universitário.

ENSINANDO RITA A LER
De posse de uma cartolina cor clara, recortei-a em vários quadrados de 5 cm. Escrevi em letra maiúscula, em cada quadrado que recortei, várias letras repetidas do alfabeto.
Depois peguei várias folhas de papel sulfite branca. Coloquei-as na horizontal e escrevi em cada uma delas, bem no meio da folha, com caneta vermelha de ponta grossa, uma palavra. De posse desse material que havia feito, sentei-me no chão com Rita e começamos a “brincar”.
Coloquei a folha com o nome a ser trabalhado no chão em frente a ela e os quadrados, só com as letras que formavam a palavra que estava escrita no papel, à sua direita.
No início eu colocava os quadrados com as letras, formando a palavra corretamente e pedia para ela copiar a palavra que eu havia escrito na folha de papel sulfite.
A seguir pedia para colocar cada letra, que estava escrita no quadradinho, embaixo da letra escrita no papel.
Se ela errasse, eu sorria e dizia:
– Iiih, você não acertou. Agora é a vez da mamãe.
Eu pegava cada quadradinho e mostrava para ela que a letra era igual à que estava escrita no papel.
Depois eu dizia o nome de uma letra da palavra que estávamos trabalhando, e ela colocava o quadradinho com a letra certa embaixo da letra da palavra.
Escrevia outra palavra, novamente colocava os quadrados, só com as letras da palavra escrita perto dela e recomeçava a brincadeira.
Todas as vezes que ela pegava uma letra, eu perguntava:
– Que letra é essa, filha?
E ela respondia certinho.
No início eu escrevia sempre palavras bem fáceis, como, por exemplo, cama, sofá, bebê.
Depois que ela colocava as letras certas, formando a palavra, nós colávamos as letrinhas ali. E eu a fazia copiar a palavra, logo abaixo da colagem.
Depois procurávamos juntas em jornais, revistas e propaganda, o nome do objeto. Quando achávamos escrita a palavra com letras grandes, eu pedia para ela fazer um círculo em volta da palavra. Então eu recortava a palavra e Rita a colava na cartolina.
Após ter colado a palavrinha, estimulava Rita a copiar a palavra novamente, embaixo da colagem.
Colocava a cartolina na parede do quarto dela, na parede da sala, da cozinha, da lavanderia e até mesmo no banheiro. O importante é que ficasse bem visível e em lugar baixo, para ela sempre ver. Porque entendi que isso a ajudaria a decorar as palavras.
Conforme ela foi aprendendo mais palavras, fui cada vez mais aumentando o vocabulário.
Quando ela aprendeu a escrever bem as palavras, fazendo a mesma “brincadeira”, comecei a colocar outras letras que não faziam parte da palavra escrita... E recomeçava o exercício.

RITA E AS ESCOLAS
Rita estava matriculada no maternal. Um dia a diretora dessa escola mandou me chamar. Eu fui preocupada, porque minha filha estava numa escola que não era especial. Quando lá cheguei, mal me sentei e a dona da escola me entregou uma folha de papel com
muitas assinaturas, dizendo:
– Isso é um abaixo-assinado, por favor, leia.
Comecei a ler. Pais e mães das crianças que frequentavam a classe da Rita pediam que minha filha fosse retirada da escola. Eles alegavam que a presença de uma criança “retardada” estava prejudicando seus filhos, pois eles estavam copiando o comportamento dela. No parágrafo seguinte, estava escrito:
“Ou sai essa menina mongol da escola, ou retiramos nossos filhos daqui.”
Fiquei “sem chão”, nunca havia imaginado que as pessoas pudessem ser tão mesquinhas.
Muito triste e magoada, chorando, peguei minha filha e fui embora.
Onde colocá-la agora? Nos dias que se seguiram procurei por outra escola que aceitasse minha menina, mas não encontrei. Eu precisava voltar ao trabalho... Não podia faltar mais. Foi com amargura que resolvi optar por uma escola especial. Achei que isso resolveria de vez todos os meus problemas e os dela.
Num dia chuvoso, fui à escola especial para conversar com a encarregada, para saber como minha filha estava se saindo. Enquanto a aguardava, vi ao longe, no pátio, uma criança sentada no chão, debaixo da chuva. Pensei comigo: “Que raio de escola especial é essa que nem percebe que uma criança sai da classe?”
Tirei os óculos por causa da chuva – mas sem eles enxergo tudo turvo – e saí porta afora para pegar aquela pobre criança que estava sob a chuva. Só quando cheguei bem perto foi que vi que aquela criança era a minha filha.
Fui falar com a professora, mas ela com estupidez me disse:
– Coloquei mesmo pra fora da classe, pra ela aprender a obedecer.
Com minha filha nos braços fui falar com a diretora, expliquei o que tinha havido e disse:
– A senhora precisa colocar uma professora especializada, veja como minha filha está molhada.
A diretora, com a maior calma, me respondeu:
– Se a senhora não está satisfeita, tire sua filha daqui.
Saí de lá pedindo:
“Meu Deus, meu Deus, me ajuda, não sei mais o que fazer.”
Chorando e rezando, pedi a Deus para arrumar uma escola para minha filha.
Dois dias depois alguém me disse que numa escola do Estado, não muito longe da minha casa, havia sido criada uma classe especial.
Fiquei contente com a notícia. Além de ser uma classe especial, era de graça. A escola especial particular em que Rita estava era caríssima.
Colocando a Ritinha ali, na escola gratuita do Estado, eu iria ter uma boa folga no meu orçamento doméstico. Minhas despesas com a escola seriam apenas com o uniforme e o material escolar.
Feliz, matriculei minha menina naquele colégio... Agora eu tinha certeza de que estaria tudo bem.
Mas um dia minha filha pediu para que eu a tirasse daquela escola especial, dizendo:
– Mãe, não aguento mais ficar colando papéis e feijões dentro de círculos, ficar colorindo bichinhos com lápis de cor, por favor, me tira daqui!
Para ficar na escola especial, ela era “normal”, mas para ficar numa escola regular, ela era deficiente.
Fui em busca de outra escola regular. Procurei de escola em escola.
Ninguém a aceitava, não queriam nem ao menos vê-la. Apenas diziam “não”.
Andei muito, me cansei muito. Mas sempre pensando: “Se não a querem aqui é porque não é aqui que Rita vai ser feliz”.
Aos seis anos consegui matriculá-la na escola estadual que meu filho frequentava. Ali ela fez o pré-primário.
E ao final do curso, tirou seu diplominha.
Ela foi aceita no primeiro ano. Eu estava feliz, finalmente havia achado a escola ideal.
Um dia atrasei-me para pegá-la. Chegando à escola procurei por ela, e uma menina me disse que ela havia saído. Sem sentir as pernas, caí. Onde minha filha poderia estar? Como eu iria achá-la? Sem conseguir me levantar do chão, comecei a chorar e implorar a Deus
que protegesse minha filha e a trouxesse para mim.
Algumas pessoas me ajudaram a sentar num murinho. Continuei minhas orações. De repente, vi uma senhora entrando na escola segurando a mãozinha da Rita. A emoção tomou conta de mim, corri, peguei minha filha no colo e, agradecendo, abracei aquela senhora.
Ela me disse que minha filha tinha atravessado ruas perigosas e estava bem longe dali. Que ela reconheceu que Rita era Down e que só pudera trazê-la de volta porque ela tinha o uniforme com o nome da escola.
Fui falar com a professora, contei-lhe o ocorrido e perguntei-lhe por que ela não tinha olhado a minha filha até eu chegar.
Ela me respondeu:
– Não sou babá de deficiente mental.
A insegurança tomou conta de mim: e se Rita tornasse a sair da escola?
Tirei minha filha de lá.
Por isso, sempre que faço palestras, aconselho os pais e responsáveis a mandarem gravar uma plaquinha com seu endereço e telefone e pendurarem essa plaquinha no pescoço de suas crianças.
Isso será de grande valia, no caso de virem a se perder.

DEIXANDO RITA COM MINHAS IRMÃS
Sem encontrar uma escola comum, sem poder pagar uma escola especial e precisando trabalhar, comecei a deixar minha filha cada dia na casa de uma irmã. Mas Rita era ágil, muito esperta e aprontava o dia todo, por isso ela precisava de alguém que a olhasse em tempo integral. Muitas vezes, em meio ao expediente, recebia telefonemas das minhas irmãs pedindo que eu fosse à casa delas, pois Rita tinha aprontado alguma.
Na casa de Ruth, Rita, de posse de uma caixa de fósforos, acendeu vários palitos, um de cada vez, e caminhando pela residência, foi jogando-os acesos no chão. Como a casa da minha irmã era toda acarpetada, o carpete ficou todo queimado. Além desse estrago, ela
poderia ter causado um incêndio.
Na casa da minha irmã Catarina, Rita subiu em cima do telhado por uma rampa feita para o escoamento de água. Minha irmã, desesperada, ligou para o meu serviço e contou o ocorrido. Saí às pressas.
Preocupada que ela, com medo de mim, corresse pelo telhado, passei na escola do meu filho e o peguei para que ele me ajudasse.
Ao chegarmos à casa da minha irmã, pedi a Eduardo, ainda tão pequeno também, que subisse no telhado, fosse até Rita e, quando lá chegasse, segurasse-a e sentasse com ela ali. Assim que meu filho fez o que lhe pedi, subi no telhado... Primeiro desci Rita, depois o Edu.
Claro que depois dessas “artes” que minha filha tinha aprontado, não tive mais coragem de pedir para que nenhuma das minhas irmãs continuasse a cuidar de Rita.

PEDINDO UM CICERONE A DEUS
À noite, ainda tensa, rezei muito. Nas minhas preces eu desabafava com Deus, dizia-Lhe que eu precisava trabalhar, mas trabalhar em paz. Que eu não podia sair correndo do serviço a todo momento, que eu não sabia mais onde colocar minha filha.
Pedi a Ele que me mandasse um cicerone para me ajudar, pois eu não aguentava mais “caminhar sozinha”.
Dois dias depois, a empregada da minha irmã disse que sua prima de 19 anos, que tinha vindo de Minas Gerais, precisava trabalhar, mas não sabia fazer nada.
Pensando que Deus tinha ouvido minhas preces, pedi a ela que trouxesse a prima para conversarmos.
Assim que conheci Maria, uma moça muito simples, mas muito carismática, gostei dela. Parecia que eu já a conhecia há séculos.
Meio tímida, ela me disse:
– Olha, dona, eu não sei fazer nenhum serviço de casa.
– Você sabe olhar criança?
– Adoro crianças, sei olhar, sim.
Expliquei à Maria minha situação financeira, e lhe disse que não poderia pagar o salário que uma doméstica recebia. O que eu podia lhe dar era apenas dez por cento daquele valor.
Ela ouviu tudo o que eu falei e respondeu:
– Eu tendo casa, comida e um lugar para dormir, está bom.
Pedi que ela fosse buscar suas roupas e voltasse no dia seguinte.
Ela, mostrando uma pequenina sacola de papel, disse:
– Eu já posso ficar, minhas roupas estão aqui.
Ali tinha apenas duas peças íntimas, uma saia e uma blusa. Foi nesse dia, no mês de setembro de 1984, que Maria, minha cicerone, entrou em minha vida.
No começo eu ia trabalhar preocupada, pois não a conhecia e estava deixando aos seus cuidados os meus bens mais preciosos: minha filha de 4 anos e, no período da tarde, meu filho de 6 anos.
Na hora do almoço, eu não almoçava. Saía correndo para pegar Eduardo na escola e o levava para casa. O fato de Maria ficar também com ele não me preocupava, porque ele era uma criança dócil e educada.
Dei uma chave para minha irmã e pedi que, vez por outra, ela passasse em casa para dar uma olhada e ver como Rita era tratada por Maria.
Uma manhã minha irmã chegou lá e Maria estava dormindo na minha cama, mas abraçada a Rita, que também dormia.
No momento em que ouvi isso, pensei em mandá-la embora, mas não o fiz. Afinal, ela estava dormindo, mas abraçada à minha filha.
Com o passar do tempo, vendo sempre Rita bem cuidada, minha confiança em Maria se firmou.
Comecei a trabalhar em paz. Quando chegava em casa, Rita e Eduardo estavam banhados, de pijama e já tinham jantado. Muitas vezes, aos sábados e domingos, enquanto eu fazia os serviços da casa, eu a via brincando, dançando e cantando com minha menina.
Isso me deixava feliz.
Algumas vezes, quando a comida não era suficiente para nós quatro, só dava para as crianças, envergonhada eu dizia a Maria que arrumasse outro local para trabalhar, mas ela me dizia:
– Não vou abandonar a senhora, não. É bom a gente só almoçar chá, porque assim a gente emagrece.
Naquele dia eu e Maria não comemos. A comida não dava para os quatro. Do resto dos pratos das crianças fizemos sopa para o jantar deles.
Em outras oportunidades, quando os problemas se tornavam grandes e eu começava a chorar, Maria me abraçava e dizia o versículo 1, do Salmo 23: O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. A seguir recitava-o integralmente.
Com o passar dos anos, apesar de continuar pagando seu salário, eu não a considerava mais minha empregada, mas sim minha filha mais velha.
Quando adoeceu de câncer, mamãe passou um tempo com minha irmã Ruth, depois um tempo com minha irmã Paulina e, quando sua vida já se esvaía, veio para minha casa. Maria, essa pessoa maravilhosa, quis dormir no quarto de mamãe. Ficava com ela, rezava
com ela, lia a bíblia para ela e a atendia em todas as necessidades.
Um dia, ao ver mamãe, percebi que ela não estava nada bem.
Abracei-a e ela morreu em meus braços.
Seu velório foi em minha casa. O caixão ali exposto em cima da mesa foi uma imagem que nunca vou esquecer. Quando foi fechada a tampa do caixão, eu desabei. Agora tinha certeza de que nunca mais a veria.
Depois do enterro, à noite, eu não conseguia dormir... Quem veio me fazer companhia? Maria! Ela segurou minhas mãos e disse várias palavras de conforto.
Claro que Maria também tinha defeitos, e esses defeitos, às vezes, eram difíceis de aguentar, mas suas qualidades os superavam.
O grande sonho de Maria era estudar inglês, datilografia e trabalhar em escritório. Eu lhe dizia que, se um dia a vida melhorasse para mim, eu realizaria seus sonhos.
Quando Carlos voltou, a situação financeira melhorou e então eu a matriculei num curso de inglês. Quando ela desistiu dele, coloquei Maria no curso de datilografia.

ENSINANDO TABUADA E SEPARAÇÃO DE SÍLABAS À RITA
Para ensinar tabuada para a Rita, comprei cartolinas de várias cores. Cada cor representava uma tabuada. Para cada cor eu cortei 10 quadradinhos de 5 cm e 10 retângulos de 10 cm de comprimento por 5 cm de altura.
No começo eu colocava o retângulo com a primeira conta e dois resultados. Por exemplo, colocava o retângulo com “2 x 1=” e colocava dois quadradinhos, um com o número 2 e outro com o número 4.
Fazia tudo como se fosse um joguinho.
E, apontando para os números da tabuada, perguntava:
– Quanto é 2 x 1?
Aguardava-a colocar um dos quadradinhos. Se ela colocasse o errado, eu dizia: “Ihh, não acertou. Agora sou eu”, e colocava o resultado certo.
Embaralhava os dois quadradinhos e recomeçava a brincadeira.
Quando ela acertava, eu batia palma e lhe dava um beijo.
Para ensinar Rita a separar sílabas, achei melhor cortar as cartolinas em círculos para ela não se confundir com os quadradinhos que usei para alfabetizá-la.
Colocava uma palavra inteira escrita de forma longa (para caber cada cartolina embaixo das sílabas) numa folha de papel. Depois mostrava a ela as cartolinas com a palavra separada.
Dispunha-as corretamente, bem em baixo da palavra escrita.
Aí embaralhava as cartolinas e pedia para ela colocar na ordem certa.
Por exemplo, a palavra PRATO. A cartolina com a sílaba “PRA” ficava embaixo do ‘pra’ escrito e a cartolina com a sílaba “TO” ficava em baixo do ‘to’ escrito.
Como sempre fiz, fazia tudo como se fosse um jogo.
Quando ela aprendia, eu passava para outra palavra.

NÃO ERA POSSÍVEL QUE NÃO ENCONTRASSE UMA ESCOLA

Rita já tinha 10 anos e estava sem escola desde os 7 anos. Eu não conseguia achar uma para matriculá-la. Não era possível que em São Paulo não houvesse uma escola regular que aceitasse minha filha, uma onde ela fosse feliz.
Pela primeira vez desde que Rita havia nascido, começava a me sentir derrotada. Não aguentava mais ouvir um “NÃO” em cada lugar a que eu ia, em cada escola de balé, em cada escola de natação, em cada escola de ginástica. Nem mesmo no clube ou nas escolas da Prefeitura havia lugar para ela.
Mas nesse mesmo clube e nessas mesmas escolas havia professor para deficientes visuais, para deficientes auditivos... Menos para deficiente intelectual.
Lembrei-me das palavras de minha mãe: “Quando a solução não vem da Terra... vem do Céu”.
Aprendi a ter fé e a rezar com minha mãe. Mas chegou um momento em minha vida em que eu não conseguia mais rezar, parecia que meu coração estava vazio, que as orações que sempre fizeram parte do meu cotidiano não tinham mais efeito.
E, numa noite muito fria, após chorar muito, a única coisa que eu consegui dizer foi: “Senhor, não consigo mais rezar, minha filha tem 10 anos, precisa e quer estudar, me ajude!”. E, vencida pelas lágrimas e pelo cansaço, adormeci.
No dia seguinte, Maria me disse que haviam aberto uma escola regular pertinho de casa, e prosseguiu dizendo para que eu levasse Rita lá.
Sem nenhuma esperança, respondi que não estava preparada para ouvir mais um NÃO e, dizendo isso, pedi que levasse a Ritinha até lá, pois eu me sentia muito cansada.
Ela prontamente se dispôs a levá-la. Vestiu Rita bem bonita e lá foram elas.
Não demorou muito e as duas voltaram. Ambas traziam um largo sorriso. Maria me abraçou e disse:
– Ela já está matriculada, você só precisa ir lá para pagar a matrícula e levar os documentos dela.
Pulei de alegria. Ajoelhei-me e agradeci ao Senhor por me ter ouvido e reacendido minha fé.
Rita passou a estudar nessa escola regular. Na classe dela havia apenas 20 alunos.
Achei que estaria tudo resolvido, eu havia encontrado uma escola que a tinha aceitado e Rita não teria nenhum problema, pois já estava alfabetizada e já sabia fazer as contas básicas de adição, subtração, multiplicação e divisão.
Mas não foi como eu pensei. Passado um mês a diretora me chamou e disse que era melhor eu colocar Rita numa escola especial, porque ela não prestava atenção na aula.
Não era possível! Deus não tinha me dado essa escola para depois a tirar. Eu não aceitava a ideia de ter que ir procurar outra escola.
Pedi à diretora mais uma chance. Propus-lhe pegar um dia antes a matéria que seria dada, e eu mesma ensinaria Rita. Assim, quando ela fosse para a aula, já saberia a matéria.
A diretora concordou e, daquele dia em diante, a professora me passava a matéria com um dia de antecedência.
Eu ia explicando para Rita as coisas que ela não entendia. Além disso, eu aproveitava e trabalhava com ela, para que não esquecesse, as continhas de somar, diminuir, multiplicar e dividir.
Sendo sua “professora particular”, percebi que muitas coisas que Rita não fazia em classe não era porque não sabia fazer, mas por que não entendia o que era para ser feito e também porque não entendia o nome da coisa ou o enunciado. Por exemplo, a professora
mandou que ela pintasse o mastro da bandeira, mas ela não pintou.
A professora me disse:
– A senhora está vendo? Ela não pode ficar nessa escola, não sabe nem pintar.
Perguntei à Rita, na frente da mestra:
– Filha, por que você não pintou o mastro da bandeira?
E Rita me respondeu:
– Não sei o que é mastro.
Depois de várias ocorrências como essa, comecei a ensinar a Rita palavras mais difíceis, mas muito usadas.
Ensinava a Rita com muita perseverança, por achar muito importante, português e matemática. Mas quando surgia alguma coisa que ela não sabia ou entendia, como, por exemplo, geografia, ciências ou história, trabalhávamos juntas.
Rita terminou o Ensino Fundamental I com 14 anos, sem nunca repetir um ano sequer.
Ao terminar essa fase, Rita queria continuar estudando, queria fazer o Ensino Fundamental II.

PEDI A DEUS QUE SEGURASSE MINHA MÃO E ME GUIASSE AO CAMINHO CERTO
Ao conversar com a diretora sobre Rita continuar seus estudos em sua escola, para fazer o Fundamental II, ela me pediu uns dias para conversar com os professores de cada matéria.
Quando voltei para saber a reposta, a diretora me disse com muito tato:
– Infelizmente Rita não pode continuar a estudar aqui, muitos professores se recusam a dar aula para ela.
Havia começado tudo de novo... Eu ia ter a mesma luta de sempre.
Fui de escola em escola, mas ninguém a aceitava.
Um dia, após ter saído de mais uma escola que havia recusado Rita, sentei-me no carro e chorei. Sentia-me muito cansada e sem ânimo para continuar, já era a décima escola que eu visitara. Fechei os olhos e as lágrimas continuaram a correr. Conversei com Deus e
pedi a Ele que ajudasse minha filha. Afinal, ela não pedia riquezas, a única coisa que ela queria era continuar a estudar. O que qualquer jovem da idade dela tinha direito, a ela era negado.
Pedi a Deus que segurasse minha mão e me guiasse ao caminho certo.
Liguei o carro e, mesmo dirigindo, continuei a rezar.
Apesar de estar perto de casa e conhecer bem todas as ruas, acabei me perdendo. Parei o carro, peguei o guia de ruas e desci para ver o nome da rua em que me encontrava. Caminhei até a esquina para ler a placa com o nome da rua e poder me orientar.
Chegando próximo à esquina, deparei-me com uma faixa afixada no muro, ao lado de um portão. Ali estava escrito:
“Matrículas Abertas para o Supletivo do Primeiro Grau”.
Enxuguei as lágrimas, enchi-me de coragem, respirei fundo e fui falar com a direção da escola.
Expliquei a ela que Rita era Down. Perguntei se ela aceitaria minha filha.
Ela, com delicadeza, me explicou:
– Há muitas dificuldades para a escola ter uma adolescente deficiente mental. Não há professores vigias nem atendentes especializados, para atendê-la. Além do mais, ela já é uma mocinha e aqui tem jovem de todas as índoles.
Perguntei-lhe:
– E se alguém acompanhar Rita todas as noites, a senhora deixaria ela se matricular?
A diretora sorriu e disse:
– Sim.
Apertando sua mão, eu lhe agradeci. E ela me perguntou:
– Mas quem irá acompanhar a sua menina?
Respondi:
– EU!
Contei-lhe sobre minha experiência como “professora particular” e acrescentei que eu iria, como ouvinte, todas as noites junto com minha filha, assim ficaria tomando conta dela.
A diretora olhou para mim e, com ar de dúvida, perguntou:
– A senhora faria isso mesmo por sua filha?
Respondi-lhe:
– A senhora não sabe o que sou capaz de fazer pela minha filha!
Continuando a conversa, ela me disse que eu não poderia frequentar a classe apenas como ouvinte, como eu lhe propusera, porque eu iria ocupar uma carteira e estaria tirando a vaga de alguém.
Continuando, falou que a única exigência era que eu me matriculasse também.
Pensei comigo: “Tudo bem. Qual o problema?”
No dia seguinte levei os documentos da Rita e a matriculei, mas na hora de me matricular pediram meu boletim do “primário”. Caí na risada e respondi que não tinha ideia, depois de 40 anos, onde meu boletim poderia estar. Então a secretária falou que se eu não
tivesse o documento solicitado pela escola, não poderia me matricular.
Senti o sangue subir, meu rosto começou a queimar, saí dali e fui falar com a diretora.
Essa senhora maravilhosa arrumou uma maneira de poder me matricular. Eu teria de fazer um teste para ver se estava apta. O teste consistia em fazer uma cópia e quatro contas (de somar, diminuir, dividir e multiplicar).
Muito preocupada, Rita me dizia:
– Vai, mãe, você consegue. Eu vou ficar aqui rezando por você.
Essa preocupação dela me comoveu muito.
Fiz o teste e entreguei para a diretora. Ela disse:
– Você foi aprovada.
Rita pulou de alegria, me abraçou, me beijou muito e disse:
– Parabéns, mãe.
Rita me falava agora as mesmas coisas que eu lhe dizia quando ela acertava algo, e me tratava como eu a tratava quando ela conseguia realizar algum exercício.
Matriculei-me. Podia agora ajudar, ainda mais, minha doce Rita.
Assistindo às aulas, compreenderia as explicações dadas e explicaria a matéria para ela.
Foi aí e, só assim, que pude observar mais uma vez as dificuldades
que Rita estava tendo.
A professora de português utilizava um vocabulário de palavras pouco usuais; o de história falava muito baixo; o de ciências falava muito rápido, grudando uma palavra na outra – até eu, que não tenho deficiência, às vezes perdia o que ele havia dito; a professora de
matemática dava aula sem falar, praticamente ficava de costas para os alunos, só escrevendo na lousa.
Logo no início das aulas a professora de português dividiu a lousa em três colunas, começou a escrever na primeira e, ao terminar esta, passou para a segunda, e assim sucessivamente. Quando a terceira coluna acabou, ela foi até a primeira coluna e apagou o que havia escrito e começou a escrever outra coisa.
Olhei para o caderno da Rita, ela ainda estava na metade da primeira coluna. Quando a professora apagou tudo, Rita, chateada, falou:
– Mãe, eu não tinha copiado ainda.
Percebi, assim, mais uma dificuldade de quem tem Down... A lentidão ao copiar.
Contei a ela que eu havia copiado toda a matéria da lousa e que, quando ela chegasse em casa, copiaria do meu caderno. E assim fizemos durante o ano todo.
Notei ainda que, muitas vezes, Rita não entendia o enunciado ou significado de uma palavra e, por isso, deixava de responder uma pergunta na prova. Notei também que os professores não faziam o menor esforço para que ela compreendesse a matéria.
Lembro com clareza de uma prova de português, em que a professora deu várias palavras que deveriam ser catalogadas em oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Mandou que os alunos as catalogassem e as colocassem em colunas apropriadas.
Rita fez um círculo em volta das palavras oxítonas, fez um retângulo em volta das palavras paroxítonas e um triângulo em volta das palavras proparoxítonas.
A professora corrigiu a prova dela na mesma hora e deu nota zero. Rita, chorando, falou:
– Mãe, tenho certeza de que está tudo certo.
Fui até a mesa da professora e pedi a prova da minha filha. Conferi, estava mesmo tudo certo. Mostrei à mestra que cada palavra que estava circulada pertencia ao grupo das oxítonas, cada palavra que estava dentro de um retângulo pertencia ao grupo das paroxítonas e que cada palavra que estava dentro do triângulo pertencia ao grupo
das proparoxítonas.
– Está tudo certo, por que lhe deu zero?
Ela retrucou:
– Ela não fez o que eu mandei, não colocou as palavras nas colunas como eu pedi.
Chamei Rita e perguntei:
– Por que você não colocou as palavras nas colunas?
E ela me respondeu:
– Mãe, eu não sei o que é catalogar nem o que é coluna específica.
Eu expliquei para Rita o que significavam essas duas palavras.
Aí a professora perguntou:
– Você tem certeza de que você fez tudo certo, Rita?
E Rita respondeu:
– Tenho certeza de que está tudo certo. Posso colocar as palavras dentro das colunas?
A professora deixou. Rita organizou tudo certinho... Tirou nota máxima.
Se eu não estivesse lá na classe, nunca saberia do ocorrido. Minha filha ficaria com nota zero porque a professora não quis compreender que ela tinha deficiência intelectual.
Uma passagem engraçada.
Esta passagem engraçada aconteceu durante o tempo em que estudava com Rita, na mesma escola. Eu não tenho boa memória para a língua inglesa. Rita, ao contrário de mim, tem excelente memória para esse idioma. Ensinei à Rita todas as palavras em inglês, para que ela pudesse traduzi-las na prova. Ensinei-a também como escrever em inglês as palavras dadas.
A parte engraçada dessa passagem é que Rita saiu-se muito bem e foi aprovada, passou de ano... E eu? Eu fiquei em recuperação (risos)!
Rita desistiu do curso supletivo no último ano, não quis mais continuar.
Uma amiga, sabendo que minha filha havia desistido, perguntou:
– Valeu a pena você ter se sacrificado tanto?
Eu lhe respondi:
– Valeu a pena sim, porque minha filha tem a certeza de que pode contar comigo em qualquer circunstância.

AGORA RITA QUERIA APRENDER COMPUTAÇÃO
Rita voltava-se a uma nova modalidade, parecia insaciável de saber, queria aprender computação, queria saber usar o Word.
Matriculei-a num curso de computação, mas as dificuldades que eu tivera para que ela estudasse voltavam novamente. Após ir buscá--la no curso, ela, muito contrariada, me disse:
– Mãe, eu não quero ficar fazendo joguinho. Quero aprender a escrever no Word.
Fui falar com o professor e ele me disse que eu deveria tirar a Rita de lá, pois lá não havia professor especializado para dar aula para ela.
Eu não sabia nada sobre computador, mas, por amor à minha princesa, comprei um computador usado. Seu Windows era o 3.11.
Ainda utilizava um disquete grande, nem som ele tinha.
Entrei numa escola de computação. Apesar de ter dito na escola que eu nada sabia sobre computação, colocaram-me numa classe  mais avançada.
No primeiro dia o professor falou:
– Liguem o computador.
Eu fiquei apavorada, não sabia se ligava aquela caixa de ferro (CPU) ou a tela (monitor). Fiquei com medo que houvesse uma ordem certa e que, se ligasse errado, poderia danificar o computador.
Então perguntei:
– Professor, o que eu ligo primeiro, essa caixa ou essa tela?
Todos caíram na risada e eu fiquei morrendo de vergonha.
O professor fechou a cara e, sem dizer nada, veio até mim e ligou o computador.
Depois ele disse que iríamos entrar no Word.
Constrangida, perguntei:
– Como eu faço isso?
O professor bufou, a classe caiu na risada novamente. Um rapaz que estava ao meu lado, penalizado, me explicou como fazer.
Então o professor falou que ia fazer um ditado. Pensei: Oba! Eu sou datilógrafa, vou fazer esse ditado “com um pé nas costas (com muita falicidade”.
No meio do ditado, o professor disse:
– Agora apertem o BackSpace.
Fiquei procurando pelos botões das barras e pelas teclas do teclado, mas nada achei. Na minha tecla BackSpace, não tinha nada escrito. A tecla só tinha uma setinha.
Perguntei ao professor:
– Onde fica essa tecla ou esse botão?
E ele estupidamente me respondeu:
– Olha aqui, se a senhora veio para perturbar a aula, a senhora pode sair, não é benquista aqui.
Saí da sala chorando, e foi assim que cheguei em casa. Sentei no chão com as costas apoiadas no sofá e falei pra Rita:
– Filha, sou burra, nunca vou aprender computação.
Ela me abraçou e disse:
– Mãe, você não é burra, vai aprender sim. Você precisa aprender, eu dependo de você para aprender Word.
Resolvi contratar um rapazinho que sabia muito pouco sobre Word, mas ele me ensinou as coisas principais. Tudo que aprendia, quando ele saía, eu passava para Rita.
Depois que eu já estava mais familiarizada com o computador, comprei um livro que ensinava o passo a passo. Como anteriormente, cada lição aprendida era repassada para minha filha com todo o carinho.
Quando ela aprendeu bem Word, ensinei-a a fazer cartões de visita e etiquetas. Foi nessa época que ela começou a trabalhar em casa fazendo digitação escolar, cartões de vista e etiquetas e, assim, através do seu trabalho começou a ganhar seu próprio dinheiro.
Até hoje Rita adora tudo que se relaciona a computação.
Quando ainda usávamos o Windows 3.11, eu resolvi entrar num joguinho que a Ritinha jogava e que eu achava divertido.
Naquela época era necessário entrar no DOS para se jogar.
Pedi a ela para abrir o joguinho para mim. Brinquei bastante e, quando cansei, quis sair e voltar ao diretório C:, mas eu não consegui.
Comecei a reclamar em voz alta por não acertar, quando Rita se aproximou de mim e disse:
– Mãe, fica calma, eu te amo. Você tem que primeiro digitar C: e depois apertar o ENTER.
Eu sorri. Quem estava me ensinando computação agora era ela.

PRIMEIRA COMUNHÃO
Quando nossa igreja fez o curso de catequese, achando que Rita já estava na idade de fazer primeira comunhão, quis que ela o frequentasse, mas não me permitiram fazer a matrícula. A catequista não aceitou porque disse que ela não era especializada, e o padre
disse que não podia aceitá-la porque Rita não compreenderia as aulas dadas.
Como eu sou catequista, disse a ele que eu mesma ensinaria minha filha. Ele concordou. Mas quando se aproximou o dia da primeira comunhão, o padre me chamou e falou que ela, por ser Down, não poderia fazer a primeira comunhão com as outras crianças.
Meu Deus! Até a própria igreja tinha preconceito contra uma criança Down!
Voltei para casa chorando.
Minhas irmãs foram lá falar com o padre e, após elas terem implorado muito, ele disse que faria algo diferente, uma primeira comunhão especial. Colocaria minha filha sentada próximo ao altar, num domingo normal.
Para que Rita não se sentisse sozinha lá no altar, meu filho e minha sobrinha resolveram fazer primeira comunhão com ela.
Após o evento, eu me perguntava... Por que não havia curso de catequese para crianças com deficiência intelectual? Por que elas não podiam fazer primeira comunhão?
Inconformada com essa situação, de posse do meu atestado de catequista, fui à Cúria. Pedi ao órgão competente licença para criar em minha igreja um curso de catequese para crianças com deficiência intelectual. Informei-lhes que eu seria a professora desses anjos.
Com a autorização em mãos, no início de 1994, criei no Brasil, ineditamente, o curso de catequese para pessoas com deficiência intelectual.
Minha primeira turma se formou em setembro desse mesmo ano.

EU NADA PODIA FAZER
Certa vez, algumas amiguinhas da Rita, que tinham mais ou menos a mesma idade dela e que não moravam muito longe de casa, pediram para que perguntasse ao meu marido, que era motorista profissional, se ele poderia levá-las, de graça, a uma festa.
Meu marido concordou, mas pediu que elas viessem à nossa casa, para que ele não tivesse que buscar cada uma delas em suas respectivas casas.
À noite elas chegaram de calça jeans e camisetas, trazendo sacolas e seus vestidos pendurados em cabides. Perguntaram se podiam trocar de roupa e fazer a maquiagem na sala. Permiti.
Em alvoroço, elas se vestiam, riam, penteavam-se, pintavam-se e se enfeitavam. Rita, ao ver aquela alegria toda e ao saber que elas iam dançar, também se vestiu com seu vestido de festa. Ela pensou que as moças a levariam junto. Todavia, isso não aconteceu...
Ao ver minha filha toda feliz arrumadinha para ir dançar, sabendo que suas amigas não iam levá-la e sentindo dó de Rita, assim que as mocinhas saíram, sentei-me no degrau da escada e chorei.
Rita perguntou por que eu estava chorando. Eu, que nunca menti para minha filha, disse que era por que ela era deficiente. Ela me olhou com seus brilhantes olhos azuis e disse:
– Deficiente, eu, mãe?! Isso era quando eu era pequena. Você já me curou.
Ela enxugou minhas lágrimas e me abraçou. Foi fazer um café gostoso e o trouxe para mim.

BAILE DE DEBUTANTE: MAIS PRECONCEITO
Minhas irmãs me convidaram a ir com elas a um clube aonde iam inscrever suas filhas de 15 anos para o baile das debutantes.
Fui. Quando fui inscrever a Ritinha, que também tinha 15 anos, expliquei que ela era Down (para evitar dissabores).
Assim que acabei de falar, a pessoa que fazia as matrículas me disse que ela não poderia participar. Tentamos argumentar que as primas tomariam conta dela, mas não adiantou.
Como sempre, eu tornava a ouvir um NÃO em relação a algo que eu pedia para minha filha.
Saí de lá com as lágrimas escorrendo. Podem dizer que sou chorona...
E como não ser diante de circunstâncias assim?
Eu já havia desistido, mas minhas irmãs Paulina e Catarina deram-me uma sugestão... Levar Rita vestida com um vestido de baile, mas que não fosse branco, pois branco era só para as debutantes.
Para ver minha filha feliz, a contragosto, concordei.
No dia do baile, quando começaram a chamar as moças para dançar a valsa, e elas foram formando par com seus cadetes, Rita também quis ir. Com o coração apertado, expliquei que ela não poderia dançar com um cadete, porque não fazia parte do grupo de
debutantes.
Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela nada falou.
Quando a valsa começou a tocar, Eduardo, inconformado, pegou Rita pela mão, levou-a para o meio do salão e dançou com ela.

RITA É UM PRESENTE DE DEUS
Fiquei doente, sentia-me muito mal. A febre que me acometia era muito alta. Resolvi dormir no sofá da sala, por ser pertinho da cozinha.
De madrugada, escutei algo se mexendo no chão e esbarrando no sofá. Acendi a luz e vi minha Rita deitadinha ali junto a mim.
Acordei-a e perguntei a ela por que havia se deitado no chão, se tinha, lá em cima, a sua caminha tão quentinha. E ela me respondeu:
– Mãe, eu vim cuidar de você. Você está sozinha aqui embaixo e se precisar de remédio ou água não tem ninguém pra te dar. Eu estando aqui, se você precisar de alguma coisa, é só me chamar.
Um dia, quando ela já sabia digitar no Word e imprimir, eu a deixei praticando e fui ao mercado. Quando voltei, ela me deu uma folha de papel. Nela estava escrito em negrito, com letras bem grandes:
“OBRIGADA POR VOCÊ SER MINHA MÃE.”

CARLOS NOVAMENTE EM CASA
Não lembro o dia, nem o mês. Só lembro que a campainha tocou.
Olhando pela janela, vi o meu marido. Ele estava ali, malvestido, magro e com a barba por fazer. Reaparecia após ter ficado longe por longos anos sem dar notícias.
Eu não queria abrir a porta, não queria recebê-lo, mas Eduardo, exultando de alegria, cobrou de mim a promessa feita.
– Deixa o papai ficar, você prometeu.
Então deixei que Carlos entrasse e Eduardo se atirou nos braços dele e ficou abraçando-o. O pai fez o mesmo, chorou, pediu perdão e Eduardo o perdoou.
Ao ver a alegria de meu filho, como eu havia lhe prometido, deixei Carlos ficar. Ofereci a ele almoço. Enquanto comia, nos contava que tinha voltado de carona do Rio Grande do Sul, pois não tinha dinheiro nem para o cafezinho. Depois, já sentado no sofá, começou
a chorar e pediu perdão. Eduardo o abraçou cheio de amor e falou que ele estava perdoado. Nesse momento, Carlos olhou para mim e perguntou se eu também o perdoava... Respondi que sim. Então ele me perguntou se podia voltar a morar conosco.
Ao ver-me relutante, Eduardo olhou para mim e disse:
– Mãe, deixa o papai ficar. Mãe, você prometeu que, se um dia ele voltasse, você o deixaria ficar.
Com pena de Carlos, por vê-lo em tão mau estado, com pena do meu filho e da minha filha, que estavam no colo dele, abraçando-o e beijando-o muito, e com pena de mim mesma, por amá-lo tanto ainda, apesar de tudo que ele havia feito, deixei-o ficar.
Eduardo, que tinha parado de crescer, a partir desse dia começou a se desenvolver normalmente. Segundo o psicólogo, Eduardo voltara a crescer porque, com a volta do pai, ele se viu livre de uma grande responsabilidade, tirou de seus ombros a carga de cuidar de
mim e da Rita.

EDUARDO, MEU PROTETOR
Um dia, ligo do meu trabalho para casa, ouço uma voz masculina dizer alô. Pensando que havia ligado errado, meio sem graça perguntei:
– De onde fala?
Do outro lado da linha, uma risada gostosa:
– Mãe, sou eu, o Edu.
O tempo tinha passado depressa, e eu não me dera conta. Meu filho estava com 14 anos e eu não havia percebido o quanto ele crescera.
Já meu marido não mudara como dissera, continuava bebendo como outrora. E ainda se sentia no direito de brigar comigo. Numa dessas vezes, meu filho se colocou entre mim e ele, dizendo:
– Pai, agora eu sou grande. Você não encosta a mão na minha mãe!
Senti orgulho do meu filho, mas ao mesmo tempo muito medo.
Orgulho por ver que ele era meu corajoso defensor, e medo que acontecesse uma briga entre os dois.
Daquele dia em diante, Eduardo continuou me protegendo. Isso fez com que eu o amasse ainda mais.
Carlos, quando não bebia, era um homem solidário, trabalhador, responsável, amável, enfim o homem que sempre amei. Por outro lado, quando bebia, o que acontecia sempre, se tornava agressivo, tinha ciúme doentio, uma figura patética que às vezes me dava pena, outras vergonha, outras vezes, ainda, raiva.
Pensava o que seria de nossa família vendo-o embriagado, jogando comida no teto e me ofendendo profundamente. Tinha vontade de largar tudo, jogar tudo fora, sumir...
Mas como sumir?! Se o Eduardo, um adolescente lindo, cheio de sonhos e projetos, que, embora eu não pudesse ajudar a concretizar, precisava da minha força, do meu incentivo e dos meus conselhos?
Não só na adolescência, mas também na juventude, quando, às vezes, ficava desanimado com a faculdade, com a falta de emprego, com a situação insustentável em casa...
Como sumir se a Rita necessitava tanto de mim, precisava de mim para defendê-la do preconceito fortemente enraizado na nossa cultura? Quantas vezes ela voltava do supermercado, pertinho de casa, chorando, porque alguém tinha lhe dito “Oi, doidinha...”, “Você é boba” e outras ofensas.
Eu tinha de ter coragem, eu tinha de lutar contra tudo. Sozinha e desiludida, deixei-me de lado; desorientada, não pensava em mim.

A SITUAÇÃO FINANCEIRA MELHOROU
Quando Carlos voltou a trabalhar e a nossa situação financeira melhorou, a primeira coisa que fiz foi atualizar o salário de Maria.
Depois a matriculei no curso de inglês, como ela queria. Mas ela não ficou muito tempo no curso e logo desistiu. Coloquei-a, então, no curso de datilografia. Nesse curso ela foi até o fim.
Ao saber que eu ia fazer minha matrícula e a de Rita no supletivo, ela pediu para ser matriculada nele também. E assim íamos as três, à noite, estudar.
Ao ensinar a matéria para a Rita, sentava Maria à mesa e a ensinava também.
Como havia me aposentado, resolvi realizar mais um sonho de Maria. Apesar de continuar pagando seu salário, arrumei um emprego para ela no período da tarde.
Ao se casar, Maria quis que Rita fosse sua dama de honra. Como seu pai morava noutro Estado, Carlos a levou ao altar. Eduardo, eu e meu marido fomos seus padrinhos. A sua festa de casamento foi na minha casa.
Coincidência ou não, quando Rita se casou, quis que Maria fosse sua madrinha de casamento e que seus filhos, Vitória e Thadeu, então com 5 e 7 anos, respectivamente, entrassem carregando as alianças.

OS SONHOS DE RITA
Só ouvindo Rita falar sobre seus sentimentos foi que reparei que ela não era mais criança. Ela era uma moça, já estava com 17 anos.
Como toda moça, queria arrumar um namorado. Mas não dependia mais de mim realizar esse seu sonho. Dependia, agora, apenas do destino. E, por nada poder fazer, eu ficava imensamente frustrada.
Ela não ia a muitos locais onde pudesse conhecer rapazes e, portanto, tornava-se quase impossível seu sonho se tornar realidade.
Quantas e quantas vezes, enquanto ela desabafava comigo falando de sua solidão, meu coração de mãe “sangrava” e vinha novamente aquela impotência de nada poder fazer.
Todo o sofrimento de minha filha me impelia a pensar no que poderia ser feito para ajudá-la. A cada desabafo dela, eu pedia a Deus que tivesse pena da minha filha, explicava a Ele que ela só almejava o que qualquer moça almeja: ter um namoradinho. Eu rezava, rezava muito, pedindo ao Criador que tirasse minha filha da solidão em que
ela se encontrava.
Acreditei que, se ela saísse mais vezes, sua solidão diminuiria, e comecei a levá-la a vários locais, mas, um dia, ao convidá-la para ir ao shopping comigo, ela meigamente me disse:
– Mãe, você promete que não fica zangada comigo? Não fica zangada, viu? Mas eu não quero mais sair com uma pessoa velha.
Como eu poderia me zangar com ela se compreendia tão bem seus sentimentos, se compreendia tão bem o que ela queria expressar ao dizer isso?! Sabia que ela me amava, mas, como todo jovem, queria a companhia de outros jovens.
Os lábios de Rita foram deixando de sorrir, seus olhos ficaram cheios de tristeza. Ela compreendia que era diferente, compreendia que os rapazes “normais” não a olhavam com interesse, e que eles não a iriam namorar por ela ser Down.
Preocupada com ela, comecei a rezar. A oração sempre fez parte de minha vida, mas daquele momento em diante se intensificou mais e mais.
Eduardo, que já me ajudava tanto, e que tantas vezes renunciou às coisas que queria em favor da Rita, esse filho abençoado, que só me trouxe alegrias, foi chamado para servir o exército, e lá fez amigos.
Quando estava na casa de um deles, a campainha tocou: era Giuliana, que vinha chamar seu irmão. Eduardo, ao vê-la, se apaixonou, o que aconteceu também com ela. Começaram a namorar.
Certo sábado, Eduardo entrou na sala, onde me encontrava, com um brilho de felicidade no olhar. Ele se aproximou de mim, agachou-se, segurou minhas mãos, e disse com muito tato:
– Mãe, eu e a Giuliana fomos a uma feira beneficente numa escola.
É uma escola para pessoas com Síndrome de Down. Lá há muitos rapazes e moças limítrofes. Eu os vi trabalhando nas barracas, eles são muito espertos e muito alegres. Mãe, não fica magoada com o que eu vou falar, mas, se você colocar a Rita lá, ela vai fazer novas amizades e vai ser mais feliz.
E, tirando do bolso um papel dobrado, continuou:
– Olha, peguei todos os dados de lá, aqui tem o nome da escola e o telefone.
Percebi, nesse momento, que meu filho, tanto quanto eu, havia ficado muito preocupado com a tristeza que tomara conta de Rita.
Dizendo que ia ligar, agradeci e dei-lhe um beijo na testa.
À noite, quando todos dormiam, peguei novamente aquele papel e, olhando para o endereço ali escrito, senti lágrimas quentes correrem pelo meu rosto. Perguntei a mim mesma de que adiantara ter lutado tanto pela inclusão de minha filha em escolas comuns, de que adiantara todos os esforços feitos por mim, ter-lhe dado uma profissão ensinando-lhe computação, ela saber com perfeição navegar pela internet, mandar e receber e-mails, trabalhar com o Microsoft Word, fazer digitação escolar, cartões de visita e etiquetas... De que adiantara a minha luta durante todos aqueles anos pela inclusão
de Rita na sociedade, se agora eu “precisava” colocá-la numa escola especial para que tivesse amigos?
Com aquele endereço em uma das mãos e a foto da minha filha na outra, me ajoelhei e rezei:
– Deus, não importa meus sentimentos, eles nada valem, mas, por favor, me mostre o caminho que devo seguir para que minha filha seja feliz.
Após essa prece, levantei-me e fui para a cama. Lá continuei a rezar.
Como das outras vezes, depois de muito rezar e chorar, cansada, adormeci.
Pela manhã, acordei com uma imensa paz, e algo dentro de mim mandava que eu ligasse para a escola, e assim o fiz.
Durante a entrevista, dentre outras coisas, fiquei sabendo o valor da mensalidade: era exorbitante, estava muito além das minhas possibilidades.
Disse à diretora que não podia pagar aquela importância. Expliquei à minha entrevistadora que Rita já havia feito o supletivo do primeiro grau, que ela sabia computação e, portanto, não precisaria da escola para se alfabetizar ou profissionalizar. Afirmei que ela precisava da escola apenas para ter amigos. De nada adiantou tudo o
que eu disse. Aquela senhora não aceitava minha proposta de pagar menos.
Tomada pela emoção, desabei a chorar. Tudo era sempre tão difícil para mim! Com vergonha e sentindo-me um pouco humilhada, expus a ela minha situação financeira. Expliquei-lhe que eu era aposentada, que eu fazia alguns trabalhos extras para complementar o nosso orçamento doméstico, expliquei-lhe também que meu marido
e meu filho estavam desempregados. Demonstrei a essa mulher que jamais poderia pagar aquela mensalidade altíssima.
Depois de lhe ter contado tudo isso, pedindo a Deus que me ajudasse, fiz a ela minha última proposta:
– Rita pode vir aqui na escola uma vez por semana. Isso irá ajudá-la a conviver com pessoas jovens como ela e a ajudará a ter novas amizades.
Ao ouvir isso, a diretora levantou-se e, estendendo a mão para se despedir, falou:
– Vou estudar sua proposta.
Vendo essa atitude fria de sua parte, sem muitas esperanças, despedi-me dela.
Todos os dias que se seguiram eu rezava, e, em minhas orações, pedia a Deus que, se fosse para a felicidade da minha filha, que a escola ligasse. Alguns dias depois, ligaram. Pediam que eu comparecesse à escola com Rita... Eles queriam conhecê-la.
Lá, todos gostaram muito dela. Ela subiu, foi conversar com a psicóloga.
Após isso, conversou com mais duas ou três pessoas. Depois pediram que eu e minha filha aguardássemos uns minutos.
Finalmente duas senhoras apareceram na sala. Uma levou Rita para conhecer a escola e a outra pediu para que eu a acompanhasse.
Fomos a outra sala. Lá, sorrindo bondosamente, essa pessoa me disse que minha menina poderia frequentar a escola todos os dias e que eu daria uma contribuição mensal, estipulada como doação à escola.
Fiquei muito contente e, não respeitando burocracias, dei-lhe um abraço forte.
Quando Rita ficou sabendo que iria começar a frequentar aquela escola especial, não gostou da notícia:
–Mãe, eu não quero estudar lá.
Então eu lhe respondi:
– Filha, Deus quer sua presença nessa escola. Eu não sei bem o porquê, mas Ele sabe.
Ela, que aprendeu comigo a respeitar a vontade de Deus, respondeu:
– Se é isso que Ele quer de mim, então eu vou.
A escola foi boa para Rita porque foi através dela que minha filha conseguiu seu primeiro emprego como estagiária. Trabalhou ali, sem registro, por pouco mais de onze meses. Se completasse um ano de estágio, eles seriam obrigados a registrá-la em carteira. E foi por
isso que, apesar de gostarem muito dela, desligaram-na da firma com onze meses e meio de tempo de serviço.
Logo surgiu um novo emprego. Esse ela adorava. Lá ela foi registrada em carteira logo que começou a trabalhar.
O chefe de Rita gostava muito dela. Quando me chamava para falar do desempenho dela, eu ia às vezes meio apreensiva, mas sempre ouvia elogios... Ela não faltava, era pontual e muito responsável.
Nesse segundo emprego, Rita ficou 5 anos, só saiu de lá porque a empresa mudou para o interior.
Tanto na primeira empresa como nessa segunda, Rita trabalhava no período da manhã. Saía do serviço, vinha almoçar em casa, comia correndo e eu a levava para a escola.
Apesar de estar feliz por estar trabalhando e por ter feito algumas amizades na escola, Rita não conseguia preencher o vazio que sentia em seu coração. Ela queria encontrar alguém especial, um alguém só para ela... um namorado.
A contribuição que a escola especial cobrava estava muito alta.
Eu precisava ir até lá e pedir uma bolsa de estudos, mas estava com receio de ouvir uma recusa. As coisas que antes não me amedrontavam, com a chegada da idade me deixavam temerosa.
Eduardo me perguntou por que eu estava triste. Contei-lhe sobre meus medos. Ele me abraçou carinhosamente e disse:
– Mãe, eu vou com você.
Quando entramos na escola, Eduardo colocou seu braço sobre os meus ombros e apertou-me de encontro a ele. Eu me senti protegida.
Meu pedido de solicitação da bolsa foi recusado. Sem alternativa, com sacrifício, continuei a pagar as mensalidades.

REDES SOCIAIS
Fora da escola Rita continuava sozinha. Suas amigas não deficientes estavam namorando, somente ela não tinha namorado.
Como ela já navegava muito pela internet, achei que teria uma chance de conhecer alguém através de uma sala de bate-papo.
Juntas, nós escolhemos a sala “de 15 a 20 anos”.
Logo que ela entrou no chat, começou a conversar longamente com um rapaz da sua idade. Depois de uns dez minutos de conversa, feliz, ela virou-se para mim e disse:
– Mãe, ele gostou de mim! Pediu meu e-mail ou meu telefone.
Eu retruquei:
– Filha, não dá o telefone, dá só o e-mail, mas, antes de fazer isso, diga-lhe que você é portadora da Síndrome de Down.
E fiz de conta que continuava a ler o jornal.
Após mais alguns momentos no computador, ela se dirigiu a mim:
– Mãe, depois que eu falei que era Down, ele não falou mais nada.
Ergui meus olhos do jornal, ia falar alguma coisa, mas calei-me. As lágrimas corriam pelo seu rosto. Ela levantou-se e foi silenciosamente para o quarto.
Esse mesmo fato eu vi ocorrer muitas vezes: sempre que ela entrava num bate-papo, contava ao seu correspondente sobre sua síndrome.
Na última vez em que isso ocorreu, ela olhou para mim com seus olhos azuis cheios de lágrimas e disse:
– Não adianta, mãe. Ninguém quer namorar uma moça Down.
Com o coração espremido no peito, eu a abracei e lhe disse:
–Filha, nós já vencemos tantas coisas, vamos vencer isso também.
Segurei suas mãos e rezei:
– Deus, Todo poderoso, Vós que olhais pela minha filha, fazei com que ela seja feliz. Ela merece ser feliz, pois é uma boa filha. Colocai no caminho da Rita um rapaz que a faça muito feliz.
Rita olhou para mim e me abraçou.
Mas eu mesma não sabia como ia fazer para ajudá-la a vencer essa etapa de sua vida. Agora não dependia mais de mim, e sim do mundo.
À noite ela entrou no meu quarto trazendo seu travesseiro e me disse:
– Mãe, posso me deitar com você? Eu estou me sentindo muito sozinha.
Ela deitou-se bem pertinho de mim e eu a abracei. Apaguei a luz para que ela não visse as lágrimas que corriam pelo meu rosto.
Como sempre, rezei e pedi a Deus que me iluminasse e que me mostrasse o que eu deveria fazer para ajudar a minha Rita.
Na manhã seguinte, acordei com uma pergunta martelando meu cérebro: será que todos os deficientes passavam pelo mesmo constrangimento todas as vezes que entravam numa sala de bate-papo e contavam sobre sua deficiência?
Para ter a resposta a essa pergunta, resolvi entrar em salas de bate-papo por idade. Entrei numa “de 20 a 30 anos”. Mentindo minha idade e meu estado civil, comecei a conversar com um rapaz. Rimos, conversamos muito. Ele dizia que eu era uma moça maravilhosa, que sempre procurara alguém como eu e que eu tinha uma excelente
cabeça, que ele estava me adorando, etc. Depois desses elogios, pediu meu e-mail. Segundo ele, não queria me perder de vista.
Mentindo-lhe, disse que era paralítica e que usava cadeira de rodas.
Nesse momento fez-se uma pausa constrangedora. O rapaz fez mais alguns elogios e saiu da sala sem sequer dizer até logo.
Não me contentei com essa experiência, precisava ter outras mais.
Comecei a entrar em salas de chats diferentes, em todos os horários, inclusive de madrugada. Entrei em todas as salas por idade (“15 a 20”, “20 a 30”, “30 a 40”, “40 a 50” e “mais de 50”). Entrei também nas salas de “descasados”, “gays”, “lésbicas” e muitas outras.
Eu precisava verificar se a discriminação sofrida pelo deficiente era igual em todas as salas de bate-papo.
Nas salas de chats, todas às vezes era a mesma coisa: eu e meu interlocutor falávamos sobre poesia, sobre nossos sonhos e, enfim, sobre o encanto e desencanto da vida. Ríamos e conversávamos animadamente, mas, quando ele pedia meu e-mail, telefone ou que eu
o adicionasse ao MSN, eu dizia:
– Antes de qualquer coisa, quero que você saiba que sou deficiente.
A seguir, inventava uma deficiência.
Logo após eu contar que era deficiente, meu (minha) interlocutor(a) não pedia mais para adicioná-lo(a) ao meu MSN, não pedia meu telefone, sequer meu e-mail. E, se às vezes pedia o e-mail, era apenas por delicadeza, pois nunca escreveu. Outras vezes, ao contar sobre “minha deficiência”, eu era “abandonada” sem nenhuma explicação.
Essa experiência veio me provar que o preconceito nas salas de bate-papo era muito grande. Acreditei firmemente que, se houvesse uma sala de bate-papo em que os deficientes não precisassem “esconder” sua deficiência para poder ter uma amizade, mesmo que virtual, seria o ideal.

EM BUSCA DE UMA SALA DE BATE-PAPO ESPECIAL
Pensei em fazer um site, e nele criar essa sala de bate-papo, mas quem saberia da existência dela? Eu era uma pessoa desconhecida, uma simples aposentada.
Depois de muito pensar, a solução que encontrei foi criar a sala num provedor em que as salas de bate-papo fossem bem conhecidas.
Decidi, então, escrever para vários provedores, entre eles o UOL e o STI. Mandei a ambos um e-mail relatando as experiências pelas quais minha filha havia passado, e também as experiências pelas quais passei. Pedi que eles criassem uma sala destinada aos deficientes.
Do UOL recebia como resposta apenas mensagens eletrônicas, com números de protocolo ou a seguinte resposta: “Estamos estudando o assunto”. O STI nunca me respondeu.
Fiz um abaixo-assinado, via internet. Nele contei sobre as experiências feitas e falei sobre minha reivindicação. Encabeçando-o, encaminhei-o aos meus irmãos, a vários amigos e amigas. Supliquei a eles que me ajudassem, pedi que o repassassem a seus parentes e
conhecidos. Com esse exército de pessoas bem-intencionadas, consegui, via internet, 500 assinaturas com nomes e números do RG.
Enviei novo e-mail para o UOL e o STI, com o abaixo-assinado, mas de nada adiantou. Eles continuaram a ignorar meu pedido.
Comecei então a mandar cartas para todos os meios de comunicação, como emissoras de TV, rádios, jornais, revistas, etc. Nelas, eu falava sobre o preconceito encontrado e sobre meu sonho de criar a sala para deficientes. Infelizmente, também nesse caso, fui totalmente ignorada.
Apesar de ter escrito para muitos e muitos lugares, nunca tive um retorno sequer.
Num sábado, desanimada, achei que estava na hora de desistir daquela luta insana. Passei o dia desacorçoada. O tempo passara rapidamente, já fazia quase três anos que eu começara a lutar.
À noite, Luciana, uma amiga do Rio de Janeiro, me ligou para perguntar se eu tinha alguma novidade. Amargurada lhe respondi que não tinha nenhuma, que estava cansada e que, a partir daquele dia, estava abandonando meu sonho... Estava desistindo de tudo. Ela disse algumas palavras de ânimo e depois falou para que eu tentasse
mandar uma carta para o jornal O Globo.
– Muriel, esse jornal daqui do Rio de Janeiro publica todas as cartas dos leitores.
Eu lhe respondi, já chorando:
– Lu, se os jornais daqui de São Paulo não se interessaram em publicá-la, imagina se um jornal do Rio de Janeiro vai se interessar.
Estou cansada, não vou mais lutar, desisto!
Despedimo-nos e fui me deitar. Já na cama, fiz uma oração:
“Deus, tudo parece tão difícil, todas as portas estão fechadas e, mesmo eu batendo insistentemente, ninguém as abre para mim.
Estou muito cansada, não consigo continuar caminhando, minhas forças se esgotaram. Deus, se for da Tua vontade que essa sala seja criada, manda Teus anjos abrirem as portas que estão cerradas”.
Na manhã seguinte, ao abrir minha caixa postal, encontro um e-mail de Luciana. Ele trazia apenas o endereço eletrônico do jornal
O Globo. Aquilo parecia uma resposta de Deus às minhas preces.
Imediatamente escrevi para eles.
Segunda, 24 de janeiro de 2000. Abro minha caixa postal e lá encontro uma mensagem de Maria Eugenia, outra amiga muito querida, também residente no Rio de Janeiro. Ela me ajudara bastante com a divulgação do abaixo-assinado, chegou até mesmo a fazer um site solicitando assinaturas. 
No dia 24.01.2000, Maria Eugenia escreveu em seu e-mail:
“Murieeelllll, sua carta saiu, foi publicada hoje no Jornal O Globo.
Segue a reportagem para você ler. Parabéns!”.

Logo depois da publicação a StarMedia entrou em contato comigo. 
Após vários telefonemas e trocas de e-mails, nasceu uma sala de chat para pessoas deficientes.
Com alegria, dia 7 de fevereiro de 2000, aceitei o convite da StarMedia para participar de um chat virtual. Emocionada, ia respondendo, uma a uma, as perguntas formuladas pelos internautas.
Por ter sido inédita no mundo a criação da sala de bate-papo para deficientes, vários jornais deixaram estampado o fato em suas páginas, entre eles:

  • O Globo RJ - 07.02.200010 - Leitora ajuda a criar sala de chat só para deficientes
  • Diário Popular - 14.03.2000 - Libertando-se do Preconceito, pág. 8 e, Mãe luta por espaço para deficientes na internet, pág. 3, Caderno de Informática.
    Obs.: As duas reportagens saíram no mesmo dia, no mesmo jornal.
  • O Estado de São Paulo - 14.02.2000 - StarMedia inaugura sala de chat para deficientes
  • Jornal SuperAção - março/abril 2000 - Nasce a primeira sala de chat para portadores de deficiência, pág. 9.
  • O Globo 07.02.2000, pág. 4, caderno de informática. Segunda reportagem que esse conceituado jornal publicou sobre mim.
  • A Folha do Servidor Público - setembro/outubro/2000 - Deficientes possuem salas de bate-papo, pág. 24.
  • Diário do Nordeste, Ceará, Fortaleza - 28.02.2000 - Bate-Papo.com.br
  • Jabaquara News, SP, jornal semanal - 11/08 a 17/08 de 2000, ano 1, n.19 – Gente especial na internet - 1ª página - e, Aposentada do Planalto cria bate-papo para deficientes na internet, pág.5.
  • Site Informática Digital Report - 07.02.2000 – Bate-papo cria sala de chat especial para deficientes
  • Site Deficiente Eficiente - 13.05.2000 - Mãe luta por espaço para deficientes na internet
  • Site Clipping - 08.02.2000 - Leitora ajuda a criar sala de chat só para deficientes
  • Constam também, na ata da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, “Votos de Congratulações” pela criação da sala de chat. Requerimento nº 701, de 2000.

Logo após a StarMedia ter entrado em contato comigo, o UOL também entrou. Perguntaram-me se eu ainda queria fazer com eles a sala de chat. Respondi que ficaria muito feliz e pedi que fosse feita mais de uma sala. Porque a sala da StarMedia, lotava rapidamente.
Conversando anonimamente na sala Deficientes, descobri que muitos deles eram extremamente solitários. Isso me deixou triste.
Para amenizar-lhes a solidão, quis criar um site de encontros só para eles.

A CRIAÇÃO DE UM SITE DE ENCONTROS PARA DEFICIENTES
Pedi a meu filho que fizesse o site de encontros para deficientes.
Mesmo sem saber muito a respeito de como se faz um site, ele não se amedrontou. Sem medir esforços, criou o Site Grandes Encontros – www.grandesencontros.com.br –, em fevereiro de 2000. Através desse site, já ocorreram muitos namoros, noivados, casamentos e muitas amizades fortes, sinceras e duradouras.
Apesar de o site ter sido criado para deficientes, ele aceita também inscrições dos que não têm deficiência.
O site Grandes Encontros é totalmente gratuito, tanto a inscrição quanto a permanência. O inscrito pode deixar seu anúncio ali por anos, sem nada pagar.
Muitas pessoas me dizem que eu não sei ganhar dinheiro, que se eu quisesse poderia ganhar muito dinheiro com esse site de encontros, que eu deveria cobrar taxa de inscrição e mensalidade.
Eu lhes respondo: se for para eu ficar rica recebendo dinheiro dos deficientes... morrerei pobre!
Na época de sua criação, o site Grandes Encontros, assim como a sala de bate-papo Deficientes, foi inédito no mundo. Publicou o fato o site IG (www.ig.com.br): “Brasil é pioneiro na criação de site para relacionamentos” – 14.11.2000.
Por causa da criação do site e da sala de chat, Rita e eu fomos convidadas pelos Deputados Roberto Engler e Célia Leão, que é paraplégica, a comparecer à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Lá chegando, fomos entrevistadas por ambos.
Roberto Engler convidou-me para comparecer às sessões em favor dos deficientes. Célia conversou longamente conosco e se interessou por Ritinha e por sua vida.

Depois da criação da sala Deficientes, eu me senti realizada. Minha filha, assim como outros deficientes, não precisaria mais se “esconder” para arrumar amigos.
Sentada em frente ao computador, feliz, Ritinha falou:
– Mãe, agora posso entrar na sala Deficientes e contar para quem estiver falando comigo que tenho Down. Não preciso mais me preocupar.
Sorrindo, concordei com ela.
Ledo engano o meu. Com tristeza, precocemente descobri, através das novas lágrimas de minha filha, que os deficientes físicos tinham preconceito contra o deficiente intelectual.
Entrei novamente em contato com o UOL e pedi que fizessem uma sala de chat para os deficientes intelectuais.
Meu pedido foi atendido. Foi criada a sala de chat “Deficientes intelectuais”, nome escolhido pelo próprio UOL.
As salas estão ativas no UOL. Quando a sala tiver menos que vinte
integrantes, poderá ser visitada gratuitamente, seguindo-se os passos:
1. http://www.uol.com.br
2. Clique em: “bate-papo”
3. Namoro 
5. Escolha: “Deficientes físicos” ou “Deficientes intelectuais”

Visitei anonimamente, várias vezes, as salinhas de chat Deficientes, e, sempre que possível, perguntava aos que ali estavam o que eles achavam da nova sala, e eles me respondiam:
“Estou muito feliz”;
“Agora posso falar livremente sobre minha deficiência sem me preocupar”;
“Aqui me sinto à vontade”;
“Já fiz algumas amizades”;
“Encontrei uma pessoa que se trata no hospital das Clínicas e me orientou a ir lá para fazer novos exames”;
“Faz mais de 10 anos que não me cuido, agora arrumei uma namorada e vou me cuidar”;
“Quando eu entrava nas salas de bate-papo comuns, ficava muito constrangido todas as vezes que precisava falar que era deficiente”.

ENCONTRO DOS INTERNAUTAS EM SÃO PAULO
Um pouco antes de completar um mês que a sala Deficientes existia, resolvi fazer um encontro entre os internautas, para que se conhecessem pessoalmente.
Comecei a anunciar esse encontro na sala. Muitos confirmaram a presença. Fiz panfletos anunciando o encontro e os distribuí na escola da Rita. Também os distribuí em outras escolas especiais.
O evento foi realizado no dia 28 de fevereiro de 2000, num restaurante que tinha estrutura para receber pessoas em suas cadeiras de rodas.
O encontro foi maravilhoso, as mesas reservadas estavam lotadas, havia muitas pessoas, entre elas, um amigo da escola que Rita frequentava.
Ele era um rapaz bonito, simpático e Down.
Ao ver Rita, ele, sorrindo, sentou-se junto dela. Conversaram muito e, vez por outra, riam gostosamente. Reparei que os olhos de minha filha brilhavam. Eles sempre foram muito lindos e brilhantes, mas naquele momento traziam um brilho que eu jamais vira.
Um rapaz não deficiente, do Rio Grande do Sul, comentou comigo que viera a São Paulo para conhecer pessoalmente uma jovem que era cadeirante e que conhecera através da salinha. Apresentando-me a ela, disse-me:
– "Estou encantado com ela! Se tudo der certo, até o final do ano nos casaremos. Venho morar em São Paulo, porque ela já está empregada, e para mim é mais fácil arrumar emprego".
Roberto, rapaz tetraplégico, me disse:
"– Agora tenho um pouco de felicidade. Muriel, agora eu posso dizer que sou tetraplégico. Muito obrigado. Deus te abençoe".
Ainda muito emocionada com as palavras de Roberto, vi Ariel, o moço que estava sentado ao lado de Rita, levantar-se e ir até o rapaz que tocava piano. Chegando lá, falou ao seu ouvido qualquer coisa e voltou para a mesa.
Colocando-se em pé, o pianista disse:
– A música que vou tocar agora o Ariel oferece à senhorita Rita de Cássia.
Rita sorriu, eu sorri e todos bateram palmas. A música era linda e muito romântica.
Algum tempo depois, Rita também foi ao pianista e falou algo baixinho.
De novo, ouvi o pianista falar:
– Essa música é oferecida ao Ariel. Quem a oferece é Rita de Cássia.
Todos que estavam presentes no restaurante compreenderam aquela demonstração de carinho de ambos e aplaudiram... Eu sorri.
Nesse dia nascia uma grande amizade entre minha filha e Ariel e entre muitos casais que ali estavam.
As horas passaram rapidamente, o almoço chegou ao fim, todos estavam se despedindo, quando Ariel se aproximou de mim e me pediu uma caneta. Emprestei-lhe a caneta, ele a deu para Rita e ternamente eu a vi escrever o telefone dele num guardanapo.

RITA E ARIEL
No princípio eram telefonemas em dias espaçados. Depois as ligações foram aumentando, até acontecerem várias vezes por dia, todos os dias.
Vieram então os encontros, no começo, esporádicos. Depois começaram a acontecer todos os domingos, mas com o passar do tempo, tornaram-se mais assíduos. Todos os sábados e todos os domingos.
Uma noite, a mãe de Ariel me telefonou dizendo:
– Muriel, eu vou viajar este final de semana, mas o Ariel não quer vir comigo. Ele quer dormir aí na sua casa, você se importa?
Respondi:
– Não me importo. Ele será recebido como um filho.
Ariel chegou trazendo sua mochila nas costas e um grande sorriso nos lábios.
Após o jantar, eu o chamei para uma conversinha:
– Ariel, você está começando a vir dormir aqui, eu confio em você e sei que você vai respeitar a Rita. Você sabe o que quer dizer respeitar a namorada?
E ele me respondeu:
– Sei! Fica tranquila, Muriel. Não vou desrespeitar a Rita.
Sem acreditar muito nele, no começo eu ficava de olho para ver o que eles estavam fazendo, mas com o passar dos meses, vi que ele realmente respeitava minha menina.
Foi assim que Ariel começou a dormir em casa. Ele vinha na sexta-feira à noite e ia embora no domingo, ao entardecer.
Cada fim de semana era esperado com muita ansiedade por ambos.
Eram os dias em que eles passavam mais tempo um ao lado do outro.
Uma sexta-feira, Ariel ligou para Rita dizendo que ele não poderia vir, pois a mãe ia viajar e sua avó estava gripada. Ele não queria deixá-la sozinha, por isso ia dormir com ela. Perguntou se a Rita não podia ir dormir lá também.
Quando Rita me perguntou se podia dormir lá, logo pensei: “A avó está doente, vai deitar cedo. Lá ele está no ‘terreno’ dele, será que não vai extrapolar nas carícias?”.
Minha filha nunca tinha ido dormir na casa de ninguém. Meio amedrontada com meus pensamentos, respondi:
– Não!
Imediatamente vi suas lágrimas correrem. Ao telefone, chorando, informou a ele que eu não a tinha deixado ir.
Depois de desligar, disse-me:
– Mãe, quando falei que não ia, ele começou a chorar. Disse que não quer ficar sem me ver este fim de semana. Olha, mãe, se ele pode dormir aqui em casa, eu também posso dormir na casa da avó dele.
Por dentro eu sorri. Aquela baixinha de olhos azuis, minha filhinha, já não era mais uma menina, era uma moça e estava reivindicando seus direitos... Ela era uma adolescente igualzinha às outras.
Por causa de seus argumentos, e confesso que também por pena, pois ambos estavam chorando, resolvi voltar atrás na minha decisão.
– Está bem, está bem, você pode ir.
Ela pulou de alegria, saiu correndo, ligou pra ele. Abraçou-me e me deu vários beijos. Arrumou suas coisas com tanta alegria e felicidade que chegou a me comover.
Como de costume, conversei em meus pensamentos com Deus:
“Deus, é tão pouco o que ela pediu, mas esse “tão pouco” a deixou tão feliz! Seria tão bom se todas as pessoas ditas normais pudessem se alegrar com as pequenas dádivas que a vida oferece a cada momento, assim como minha filha o fez agora”.
E foi assim que Rita começou a dormir na casa do namorado.

SELANDO UM COMPROMISSO
Rita e Ariel já estavam namorando há um ano e meio quando, seguindo o exemplo de meu filho e sua namorada, resolveram colocar uma aliança de compromisso. Corinne, mãe do Ariel, concordou com a ideia e foi com eles comprar as alianças.
Eu vivia um dia de cada vez. Por não saber se, algum dia, Rita e Ariel ficariam noivos de verdade, no dia da troca de alianças, fiz uma bonita festa em minha casa. Havia um bolo ornamentado com duas alianças, muitos docinhos e sanduíches. Tiramos muitas fotos e
também filmamos.
Apesar da família do Ariel não estar presente, ele sorria o tempo inteiro. Rita também sorria muito e em seus olhos havia um brilho intenso de felicidade.
O entrosamento dos dois era tão grande que, juntos, começaram a fazer teatro, pontas em novelas e a ir comigo fazer palestras sobre a Síndrome de Down. Nessas palestras, davam depoimentos de que tudo é possível, e, por isso, foram chamados para fazerem um curta-metragem, o documentário Do luto à luta.
O tempo foi passando e, por estarem se amando cada dia mais, eles quiseram noivar de verdade. Com alegria, eu, Rita, Corinne e Ariel fomos a uma joalheria para que escolhessem as alianças.
No dia do noivado, a sala de jantar de minha casa estava lindamente preparada. Minha irmã Paulina havia decorado as paredes com faixas de felicitações e fotos do casal. Em cada canto da sala havia flores. Na mesa, uma toalha de renda branca e, sobre ela, um
pequeno castelo cor-de-rosa, todo iluminado. No centro da mesa, um bolo branco com florezinhas comestíveis, na cor rosa, e, em cima dele, uma caixinha vermelha, com as duas alianças.
Os pratos de doces e salgados, além de enfeitarem também a mesa, estavam distribuídos harmoniosamente por todo o ambiente. A decoração que minha irmã fizera estava maravilhosa.
Ariel estava elegante. Rita estava muito bela em seu vestido branco e justo. Seus cabelos soltos emolduravam seu rosto e, como sempre, seus belos olhos azuis brilhavam de felicidade.
Chegou o momento tão esperado. Antes da troca das alianças, Ariel disse algumas palavras. Logo a seguir foi a vez de Rita, e ela fez uma linda declaração de amor ao seu amado. Todos nós notamos o olhar carinhoso de ambos ao colocarem, um no outro, a aliança. Ao fazerem o brinde, seus olhos cintilavam de tanta felicidade. Erguendo
nossas taças, brindamos alegremente o noivado desse casal tão querido.
O amor foi crescendo dia a dia. Sem conseguirem mais viver longe um do outro, resolveram se casar. Os preparativos para o casamento começaram a ser feitos com muita alegria pelas famílias. Surgiu, então, uma dúvida: Ariel seria ou não estéril? Corinne resolveu levar seu filho para realizar o exame que nos tiraria a dúvida.
Ao contrário do que alguns médicos disseram, Ariel poderia ter filhos.
Expliquei ao Ariel que Rita poderia tomar anticoncepcional, mas que isso poderia fazer mal para ela ou engordá-la. Expliquei ainda que ela nunca poderia se esquecer de tomar o anticoncepcional, pois eles corriam o risco de ter um filho Down. Depois, mostrando
foto na internet, expliquei que ele poderia fazer uma vasectomia e isso evitaria definitivamente de eles terem filhos. Em um gesto de amor à sua futura esposa, ele escolheu de livre e espontânea vontade fazer a cirurgia.

O PRECONCEITO DA IGREJA CATÓLICA
Por Ariel ser judeu e Rita católica, o casamento seria ecumênico.
Quanto à contratação do rabino, não houve nenhum problema, mas, quando procurei um padre para realizar o casamento, começou a minha via crucis. Fui a várias igrejas, mas todos os padres se recusaram a fazer o casamento. Um deles “bondosamente” se ofereceu para fazer o casamento, mas de portas fechadas, sem que ninguém visse.
Diante de tanta dificuldade, resolvi ir à Cúria Metropolitana do Estado de São Paulo – talvez o monsenhor não soubesse do preconceito que havia entre os padres.
Fui à Cúria no dia 6 de abril de 2003 e lá fui atendida pelo cônego.
Expliquei-lhe o que estava acontecendo e pedi que me indicasse um padre para fazer o casamento de minha filha.
Não vi no rosto desse senhor um sorriso... Sequer vi em seu semblante complacência. Levantando-se de sua cadeira e sem ao menos estender a mão para nos despedirmos, disse secamente:
– A senhora espere uma semana, preciso conversar com outras pessoas.
Eu esperei os sete dias recomendados, mas ele não ligou para me dar uma resposta.
Ainda assim esperei sua ligação por um mês, até o dia 6 de maio de 2003. Como a ligação não aconteceu, liguei novamente. De novo falei com o mesmo cônego. Mais uma vez, ele mandou que eu aguardasse uma semana, pois não tinha ainda uma resposta.
E assim foi a cada ligação que eu fazia.
Depois de ter sido ludibriada por 4 meses, fui à Cúria falar, novamente, com o cônego com quem já falara outras vezes. Exigi dele uma resposta, e ele, estupidamente, respondeu:
– A senhora está fazendo tudo isso porque é uma mãe frustrada - Reproduzo as falas do cônego fielmente, exatamente como foram ditas - quer se realizar através de sua filha, porque ela mesma nem sabe o que está acontecendo.
Respondi que não era verdade, que eu já havia me casado na igreja. E que era o sonho da minha filha se casar em nossa religião.
Então ele, mesmo sem conhecer os noivos, continuou:
– A Igreja Católica não faz casamento de retardados. Retardados não se casam. Eles não sabem o que estão fazendo.
Perguntei a ele em que lugar da Bíblia estava escrito isso, mas ele não respondeu. Nem poderia. Essa besteira que ele disse não está escrito em lugar nenhum da Bíblia porque, perante Deus, somos todos iguais.
As palavras pronunciadas por esse cônego saíram de uma mente mesquinha, de um homem preconceituoso, que acha que tem todo o poder, mas não tem nenhum.
Muito irritada, falei que iria contratar um pastor da igreja evangélica para casar minha filha, pois Deus era um só. Falei também que iria contratar vários jornais para fazer a reportagem do casamento e que, antes da cerimônia se realizar, iria pegar o microfone e dizer:
“Senhores convidados, a partir de hoje, eu e minha família estamos deixando de ser católicos, pois um cônego, lá na Cúria, disse-me: ‘A Igreja Católica disse-me através de seu representante, que não casa retardados’. Senhores repórteres, por favor,
publiquem na íntegra o que acabei de dizer.”
Depois de dizer todas essas coisas, saí da Cúria.
Estava acabando de entrar em casa quando o telefone tocou...
Era o cônego com quem eu havia falado. Primeiro me disse algumas palavras grosseiras, depois mandou que eu entrasse em contato com o padre da Igreja Nossa Senhora da Esperança, em Moema.
Mesmo magoada com as ofensas ouvidas, fiquei contente porque achei que estava tudo resolvido. Anotei o telefone que ele me passara e liguei imediatamente para a igreja.
– Boa tarde, padre, sou a Muriel, mãe da Rita, o cônego lá da Cúria já deve ter lhe contado que preciso de um padre, para, juntamente com o rabino, realizar o casamento, que será ecumênico. Ele pediu que eu lhe ligasse. Então está tudo certo? Quando posso ir aí?
Ele grosseiramente respondeu:
– Não tem nada certo, não. Primeiro preciso ver que tipo de pessoas vocês são.
Desliguei e comecei a chorar. Disse para meu filho que não queria mais que o padre participasse do casamento... Não precisávamos dele, afinal Deus é um só.
Pacientemente, Eduardo me convenceu a ir até a Igreja Nossa Senhora da Esperança. Conversamos com o padre por horas, até que, finalmente e friamente, ele disse que estaria presente na cerimônia.

O GRANDE DIA
Os preparativos
Corinne, dedicada mãe do Ariel, preservando-nos de cansaço e contratempos, incansavelmente se disponibilizou para resolver os problemas com o buffet, a data, a hora, a ornamentação das mesas e as flores para o casamento.
Coube ao casal escolher as músicas que tocariam durante a cerimônia.
Rita, cheia de personalidade, trocou o tapete escolhido por Corinne por um vermelho.
O local escolhido foi o Buffet Humberto14, um dos mais famosos buffets da época. Ele era lindo, bem no coração do Itaim Bibi. A data escolhida por Corinne, foi o dia 23 de novembro 2003, às 11 da manhã.

VÉSPERA DO CASAMENTO
Na véspera do casamento, Rita mostrava-se feliz e ansiosa, ria, brincava, perguntava a todo momento as horas. À noite, deitada sobre meu braço, ela me falava da alegria que estava sentindo. Nunca vou esquecer quando ela me disse:
– Mãe, eu sou igual a minha prima Daniela. Como ela, também vou me casar.
Abracei Rita forte e falei:
– É sim, filha, você é igual a suas primas e a todas as moças do mundo inteiro.
Ainda bem que na escuridão não deu para ela perceber que lágrimas de felicidade rolavam mansamente pelo meu rosto.

O AMBIENTE
O salão foi dividido com cortinas de seda branca. A parte menor transformou-se em “sinagoga”. Estava maravilhosa, toda ornamentada com rosas vermelhas e brancas. No chão, o longo tapete vermelho dava suntuosidade ao local. A chupá (tenda), onde o padre e o rabino José Luiz Goldfarb esperavam pelos noivos, estava ornamentada, em suas
laterais, também por rosas brancas e vermelhas, combinando com a decoração dos bancos.
Do outro lado, o salão de festa. As cadeiras cobertas por capas brancas no mesmo tecido e cor que as toalhas das mesas, nas quais estavam os pratos nos sous-plats e um vaso de vidro com rosas brancas e vermelhas, criavam um conjunto de muita sobriedade e beleza.
Estava tudo divinamente lindo!

OS NOIVOS
Como o casamento seria num domingo, combinei antecipadamente com a cabeleireira para nos atender neste dia. Logo cedo meu marido nos levou ao salão.
Eu tinha pensado em fazer no cabelo dela uma trança enfeitada com pérolas, mas a cabeleireira sugeriu fazer um coque, prendendo todo o cabelo, e deixar apenas uma leve franja. O coque com mechas entremeadas ficou formoso, dava à Rita um ar de princesa.
Achei o coque tão simpático que pedi para que a cabeleireira fizesse o mesmo com meu cabelo.
Minha irmã Paulina e sua filha Isabel, deixando seus afazeres, chegaram em minha casa com uma maletinha de maquiagem logo após termos voltado do cabeleireiro.
Depois de tomar um cafezinho, Paulina começou a maquiar Ritinha.
Sobre sua pele passou uma base clara, levemente rosada; nas pálpebras superiores, sombra azul clarinha; em seus lábios, um batom coral.
Mesmo não sendo profissional, minha irmã fizera uma maquiagem muito benfeita, suave, apropriada para a hora e para aquele dia tão especial.
Maquiada, minha filha ficou ainda mais graciosa!
Após a maquiagem, Rita subiu para o quarto para se vestir. Ao descer as escadas, de volta, todos que estavam na sala ficaram encantados...
Ela estava deslumbrante em seu vestido de noiva todo branco, cravejado de pérolas e pequeninos vidrilhos, com as alças em tule, levemente franzidas, dando-lhe leveza. A faixa de cetim, drapeada, no corpo do vestido, marcava com suavidade a cinturinha dela. A calda de dois metros e meio, presa na cintura, igualmente bordada, compunha o vestido. A coroa de pérolas sobre seus cabelos presos segurava com firmeza as três camadas de véu, ficando uma na altura dos ombros e as duas outras um pouco mais além.
Nas mãos ela trazia um buquê cascata, com pequenas rosas vermelhas, entremeadas por ramagem verde e pequeninas flores brancas, conhecidas popularmente por mosquitinhos.
Ao som da marcha nupcial, Carlos entrou, orgulhosamente, com Rita. Com muita dificuldade, continha as lágrimas que começavam a brotar em seus olhos. Foi a primeira vez na vida que vi meu marido emocionado.
As pessoas ali presentes choravam de emoção ao vê-la passar.
Ao vê-la entrar, de braço dado com o pai, em seu belíssimo vestido, um turbilhão de sentimentos tomou conta de mim. Veio-me à mente toda a sua vida, desde o dia do seu nascimento; todas as lutas que tive para que ela chegasse até ali.
Lembrei-me do aparelho ortopédico que ela teve que usar por três anos - igual aos que são usados por pessoas que tiveram paralisia infantil. Era preso na cintura, com um cinto de ferro coberto de feltro.
Tinha de cada lado ferros que desciam da cintura até os tornozelos, e, na altura dos joelhos, uma pequena alavanca que lhe permitia dobrar as pernas ao sentar. Na ponta, próximo dos tornozelos, as botas eram presas por molas fortíssimas. Antes de calçar-lhe as botas, eu precisava rodá-las uma vez, para que forçassem seus pés para fora...
Agora ela estava livre de tudo isso... Muito emocionada, sorri para não chorar!
Agradeci a Deus por Ele ter segurado minha mão, ter me sustentado tantas vezes, ajudando-me a cumprir minha missão.
Ariel, próximo à chupá, estava muito lindo, elegantemente vestido em seu terno cinza-claro. Trazia no bolsinho, próximo à lapela, uma pequena rosa branca, e sobre a cabeça, o kipá - boina que os judeus usam. Envolvido pelos acontecimentos emocionantes, ele deixava as lágrimas correrem ao ver Rita caminhando ao seu encontro. Enterneci-me também quando vi meu marido entregar-lhe nossa filha.

A CERIMONIA
Ao iniciar-se a cerimônia, o padre leu apenas o evangelho e, a seguir, uma poesia do Carlos Drummond de Andrade. Nada mais fez depois disso. A cerimônia inteira foi dirigida pelo rabino, que foi quem deu a bênção aos noivos, oferecendo ao casal, logo
após, uma taça com vinho.
Ariel, seguindo a tradição judaica, tomou o vinho (um gole). A seguir, passou a taça para Rita, que também tomou um gole.
Continuando a cerimônia, chegou o momento da troca das alianças.
Ariel segurou a aliança com as duas mãos e falou:
– Rita, eu te consagro com este anel de acordo com as leis de Moisés e Israel.
E colocou a aliança no dedo de Rita, beijando depois sua mão.
Não consegui conter as lágrimas, quando, antes de colocar a aliança no dedo de Ariel, Rita virou-se para todos os presentes e disse:
– Eu prometo a vocês que vou cuidar do Ariel. Ficar sempre ao lado do Ariel e nunca vou me separar dele.
Ninguém esperava uma coisa assim... Como não chorar?!
Segurando a mão do Ariel e, olhando em seus olhos, Rita disse em voz alta, para que todos pudessem ouvir:
– Vou te amar para sempre!
Após ter colocado a aliança no dedo dele, também deu um beijo em sua mão.
Gotinhas salgadas teimavam em rolar pelo rosto dos pais, parentes, convidados e padrinhos ao ouvirem, ao som de “Eu Juro”, o casalzinho fazer suas juras de amor.
A seguir foi feita a leitura da Ketubá (contrato nupcial) com o texto na língua aramaica. No casamento, o noivo aceita para si algumas responsabilidades matrimoniais. A sua obrigação principal é prover alimentos, abrigo e roupas para sua esposa, e ser atencioso com relação às suas necessidades emocionais. A proteção dos direitos de uma esposa judia é tão importante que o casamento só pode ser formalizado após a leitura completa do contrato.
Depois passou-se às Sete Bênçãos (Sheva Brachot), recitadas sobre um segundo copo de vinho. Essas bênçãos ligam o noivo e a noiva para a fé em Deus como Criador do mundo, maior benfeitor da alegria e do amor.
No final das Sete Bênçãos, novamente foi oferecida a Rita e Ariel a segunda taça de vinho. Como nenhum dos dois bebe, eles apenas deram um gole. Primeiro Ariel; depois, Rita.
Mais algumas palavras do rabino e então foi colocado no chão,
em frente ao Ariel, um copo enrolado num pano branco. Ariel, batendo fortemente o pé em cima do copo, o quebrou. Esse gesto marcou a conclusão da cerimônia.
No final da cerimônia pedi ao padre que desse uma bênção aos noivos, mas ele, demonstrando claramente seu preconceito, sem dá--la, virou as costas e saiu.
Os presentes ficaram em pé. Todos os convidados judeus começaram a falar várias vezes, bem alto e em coro: “Mazel Tov”. 
Os noivos, então, cheios de alegria, se retiraram ao som de uma música muito
romântica.
Por essa razão, embora já tenham se passado mais de 10 anos, eu nunca me esqueci nem me esquecerei do Rabino José Luiz Goldfarb. Não esqueço a forma carinhosa como ele realizou o casamento de Rita e Ariel no dia 23 de novembro de 2003.
Desde esse dia, coloco-o sempre em minhas preces, peço a Deus para que Ele o proteja, que conserve sempre esse amor imenso que habita em seu coração.
Ao comentar sobre o casamento de minha filha, falo para aqueles que me ouvem que esse rabino é realmente um homem de Deus, no verdadeiro sentido da expressão, porque não tem preconceito. Fez o enlace de Rita e Ariel com muito carinho e ternura, comovendo a
todos até as lágrimas, tornando essa união matrimonial, a primeira entre jovens com Síndrome de Down plenamente abençoada.

RITUAL DE FELICIDADE
Os presentes foram convidados a se dirigir ao salão de recepção.
Depois que todos já estavam acomodados nos seus lugares, a cantora anunciou a entrada do casal. Eles fizeram uma entrada triunfal ao som da música “Eterno Aprendiz”. A cantora começou a cantar:
“Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, e os presentes cantaram juntos. Foi muito emocionante.
A seguir, foram de mesa em mesa cumprimentando a todos. Terminados os cumprimentos, foram chamados para fazer o brinde junto com seus familiares e cortar o bolo. Então cada um foi erguido numa cadeira. A cadeira era segurada, pelos pés, por 4 pessoas, conforme a tradição judaica. A música começou a tocar e as pessoas dançavam com eles, impulsionando as cadeiras para cima.
Quando esse ritual acabou, Rita e Ariel foram chamados ao palco.
Como o Ariel faria aniversário dali a dois dias, em 25 de novembro, pela passagem de seu aniversário, foi-lhe oferecido um bolo. Todos cantaram parabéns e ele apagou a velinha.
Rita, aproveitando que estava no palco, fez um belo discurso. Depois anunciou que ia cantar. Chamou Eduardo ao palco e juntos cantaram “Como é grande o meu amor por você”. Ao final, Rita disse:
– Mãe, essa música eu ofereço para você.
Depois cantou com a cantora outras músicas.
Eles dançaram a valsa olhando-se nos olhos romanticamente.
Foi tudo um sonho realizado, muito amor e alegria. Todos estavam empolgados e felizes.

COM QUEM ELES IRIAM MORAR
Por não querer que minha filha saísse de casa e fosse morar longe de mim, resolvi fazer uma pequena reforma em dois quartos grandes que tinha em cima da lavanderia, nos fundos de casa, com entrada totalmente independente.
A primeira coisa que fiz foi fazer uma passagem de ligação entre os dois quartos. Depois disso, mandei fazer o banheiro.
O jardim de inverno, que ficava em cima da garagem, dava para os quartos. Dele, então, fiz a cozinha. Para finalizar, abri uma passagem interna do meu quarto para a casa deles, assim eles não precisariam sair para poder entrar na minha casa.
Corinne também, querendo o filho junto a si, fez em seu apartamento uma reforma. Derrubando algumas paredes, fez um quarto-sala, um closet e banheiro. Criou, dessa forma, um espaço independente muito agradável para o casal.
Após a lua de mel, para minha surpresa, a Rita foi morar com a sogra. Por opção, disse-me:
– Mãe, vou morar com minha sogra, porque se ficar aqui não parece que casei.
Rita foi levando as coisas dela para a casa da sogra. Ao vê-la partir, senti um aperto no coração. Nunca antes havia me separado da minha filha. À noite senti tanto a falta dela que não consegui dormir.
Meu marido não conseguia entender esse meu sentimento:
– Ela foi morar na sogra porque quis, por que você está chorando?
Como explicar-lhe esse sentimento tão doído?
Aquela noite chorei muito por estar longe da minha filha, mas, passado esse momento, agradeci a Deus. Eu a criei para ser independente e ela demonstrou que o é. Mas, não posso negar: mesmo Rita vindo me visitar muitas vezes, ficar comigo alguns dias, nunca me acostumei a ficar sem ela. Todas as vezes que ela vem me visitar, quando a vejo ir embora, bate uma saudade sem fim, sinto vontade de chorar.

TRÊS ANOS DEPOIS...
Três anos depois do casamento de Rita e Ariel, cheia de satisfação, levei meu filho ao altar.
Foi com muita emoção que vi Eduardo e Giuliana se unirem perante Deus e os homens. Ele, com sua elegante túnica bege, acompanhada de colete da mesma cor, parecia um príncipe. E Giu, em seu delicado modelo tomara que caia branco, estava majestosa. Foi uma cerimônia comovente. A festa animada, parentes e amigos participando com felicidade do evento.

O MUNDO SE ABRIU PARA RITA E ARIEL
Com seu marido, Rita participou da novela Jamais te esquecerei, no SBT. Por causa disso, Evaldo Mocarzel os convidou para participarem de um documentário, que recebeu o nome Do Luto à Luta.
No Rio Grande do Sul, em Gramado, no ano de 2005, Rita e Ariel subiram ao palco e ergueram o troféu Kikito, que o filme Do Luto à Luta ganhou.
Ao assistir a esse documentário, o produtor Marcelo Galvão convidou Rita e Ariel para participarem, como atores principais, do filme Colegas. O filme ganhou, no 40º Festival de Gramado, no dia 18 de agosto de 2012, o troféu Kikito. E Rita e Ariel receberam também,
cada um deles, o troféu, prêmio especial, como Melhor Atriz e Melhor Ator, respectivamente.
Foram inúmeros prêmios recebidos por Colegas, entre eles:
• Prêmio Jovem Brasileiro - Categoria Entretenimento/Cinema;
• Diva Film Festival (Chile) - Melhor Direção, para Marcelo Galvão; Melhor Direção de           Arte, para Zenor Ribas, e Melhor Trilha Sonora, para Ed Côrtes;
• 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - Prêmio do público, Melhor Filme             Brasileiro;
• Troféu Juventude - Melhor Filme Brasileiro;
• 1º Festival de Cinema de Paulínia 2008 - Prêmio de Melhor Roteiro;
• 6º International Disability Film Festival Breaking Down Barriers - Rússia - Prêmio de            Melhor Filme;
• Festival do Rio Hors - Concours 2012 - Seleção Oficial;
• XXVII Festival de Cinema Latino-Americano di Trieste (Itália) - Prêmio do Público;
• 9º Amazonas Film Festival - Filme de abertura; Red Rock Film Festival (Utah - EUA) -          Seleção Oficial.

(...)
E CARLOS SE FOI PARA SEMPRE
Carlos começou sentir fortes dores na barriga, preocupada com ele, pedi ao meu filho para levá-lo ao hospital. Foi constatado um quadro grave  quadro de diverticulite, e por isso ficou internado para ser operado pela manhã. 
Infelizmente a cirurgia não correu bem, e ele entrou em coma durante a operação.  Permaneceu em coma por 30 dias, vindo a falecer.
Quando soube que o pai tinha falecido, meu filho chorou copiosamente.
Olhando pra mim, com seus olhos verdes marejados de
lágrimas, disse:
– Mãe, não adianta eu sentar no degrau da porta para esperar por ele, como fiz quando eu era pequeno e ele foi embora. Agora ele não volta nunca mais.

PASSADO O DESESPERO
Passado nosso desespero, ficaram as dívidas. As despesas da casa tornaram-se pesadas para mim, pois agora eu só tinha a minha aposentadoria, que mal dava para viver.
Para conseguir pagar todas as contas, deixei de fazer feira e de comprar algumas coisas no supermercado.
Um dia, meu filho chegou trazendo uma grande caixa de papelão sobre os ombros. Sorrindo, disse:
– Mãe, esta é a minha cesta básica, trouxe-a porque sei que as coisas não estão fáceis para você.
Como não me emocionar? Chorei.

A VIDA SE RENOVA
Depois de três anos após terem se casado, Eduardo e Giuliana anunciaram que meu neto viria alegrar a minha vida.
(...)
#Down #Sindrome_de_down

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